Pode parecer óbvio, mas como dizia Nelson Rodrigues só os profetas enxergam o óbvio
Até o início da década de 1950, só havia no Brasil grandes diários de famílias alinhados contra governos populares, ou no máximo indiferentes.
Voltando Getúlio Vargas ao Catete nos braços do povo, como havia anunciado em 1945 ao ser apeado do poder, o óbvio jornalístico se materializa na forma de ÚLTIMA HORA, jornal popular em defesa de um governo popular – a favor das causas dos trabalhadores e das classes médias, da Petrobras, das medidas antitruste de Getúlio.
Em 1954, brandindo a bandeira contra a corrupção, toda a imprensa, exceto ÚLTIMA HORA, fez tal campanha contra certo “mar de lama”, que levou GV ao suicídio e só não sepultou UH porque o clamor popular impediu o golpe que ali vinha.
1964. Coroando uma campanha contra o “comunismo” que ia assaltar o poder, e de novo brandindo a bandeira contra a corrupção, toda a imprensa, exceto ÚLTIMA HORA, amparou enfim o golpe adiado em 1954 pelo tiro que GV se deu no peito. UH, era óbvio, sobreviveria uns poucos anos.
A linha popular, porém, ganharia status de jornalismo “cult” – embora num episódio efêmero – por obra de um ex-repórter de UH, Paulo Patarra, nem poderia ser por acaso. Paulo, agora trabalhando na Abril, sugere ao dono, Victor Civita, que lance uma revista mensal de reportagens. O curto diálogo que se seguiu convenceu VC:
“Mas nunca ninguém fez isso.”
“Justamente porque ninguém fez é que vai dar certo”, replicou o vitorioso Paulinho. Sua criação, REALIDADE, esgotou nas bancas a tiragem de 250 mil exemplares do número 1 e chegou a vender mais de meio milhão de exemplares, até ser abatida em pleno voo pelo maldito AI-5 em 13 de dezembro de 1968.
Anos de 1970. Jornalistas vindos de REALIDADE, capitaneados por Sérgio de Souza, durante apenas um ano, põem nas bancas a revista de contracultura O BONDINHO. A tentativa de jornalismo popular morreu de inanição, ignorada pelos anunciantes. Mas também virou “cult”.
1973. o mesmo Sérgio, o Serjão, funda com Narciso Kalili e Eduardo Barreto, estes dois também vindos de REALIDADE, o jornal EX-, mensário – logo transformado em “de-vez-em-quandário” por razões óbvias. Nesta redação, pela primeira vez os autores de CRIME DE IMPRENSA trabalham juntos e afinados. Ali, o escritor João Antônio cunhou a expressão “imprensa nanica” para nos classificar.
1975. O EX- é a única publicação a ir às bancas com extenso relato sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, numa reportagem que acuou a ditadura militar e animou o movimento pela anistia. Óbvio que, visitados por policiais que vieram notificá-los de que passavam a sofrer censura prévia, os jornalistas do EX- decidiram fechar suas portas.
1976. Idealizado por Hamilton Almeida Filho, que tinha passagens por REALIDADE, O BONDINHO e EX-, surge EXTRA – REALIDADE BRASILEIRA. O sagaz Haf, notando que a lei de imprensa da ditadura excluía da censura prévia os livros, lançou o livro-reportagem. O volume 1, O ÓPIO DO POVO, trouxe a primeira devassa nos bastidores da Rede Globo. Mas depois de outros três livros-reportagem, a Polícia Federal descobriu os meliantes. E o EXTRA fechou.
1977. O grupo de jornalistas ao qual pertenciam os autores de CRIME DE IMPRENSA vai quase em peso trabalhar com o gênio criador de UH: Samuel Wainer. Ele tinha sido obrigado a desfazer-se de seu jornal e abriu o semanário AQUI-SÃO PAULO, de política, reportagem e comportamento, tendo como editor-chefe Serjão.
Por suas relações com grandes empresários, Samuel conseguiu dois automoveizinhos Dodge, em cujas latarias mandou pintar o logotipo do jornal e os números 23 e 29, para dar impressão de que aquele nanico era uma potência. Foi sua derradeira aventura. O jornal durou pouco mais de um ano. Mas deu o tom de jornalismo popular da época, ao dar, como uma de suas últimas manchetes:
ESTADO DE DIREITO JÁ!
1978. Uma tentativa de reeditar o jornalismo popular de REALIDADE. A mesma turma, por sinal chefiada pelo próprio criador de REALIDADE, Paulo Patarra, põe nas ruas a revista REPÓRTER TRÊS. A equipe é reforçada por Fernando Morais e Caco Barcelos, entre outros.
Depois de um número 1 com matérias sobre o esquadrão da morte e seu chefe, o delegado famigerado Sérgio Fleury, sobre a Nicarágua vivendo uma revolução, sobre a fragilidade da segurança na usina nuclear de Angra, a equipe preparava o segundo número tendo como chamada principal na capa: O MELHOR FUTEBOL DO MUNDO NO PAÍS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO, sobre a Copa de 1978 na Argentina. É óbvio que o dono, Domingo Alzugaray, ainda por cima argentino, nos arrancou a revista das mãos.
Outra obviedade é que os autores de CRIME DE IMPRENSA e sua turma cada vez mais sentiam dificuldade para encontrar emprego na grande mídia. Estávamos sendo empurrados para uma saída encontrada pouco antes: livro-reportagem. O primeiro da série abordou assunto pioneiro, A GUERRILHA DO ARAGUAIA, de Palmério Dória com ajuda do fotógrafo Vincent Carelli, anos depois cineasta de CORUMBIARA, premiado no Festival de Gramado.
O filão aberto do livro-reportagem presenteou o público leitor nesses anos todos com trabalhos como OLGA, de Fernando Morais; ROTA 66 – A polícia que mata, de Caco Barcellos; MATARAM O PRESIDENTE – Memórias do pistoleiro que mudou a história do Brasil, de Palmério Dória, entre tantos.
Numa época em que certos arautos do mau jornalismo anunciam o fim da grande reportagem, mesmo contrariando provas vindas de toda parte, os autores de CRIME DE IMPRENSA se orgulham de figurar no time dos que acreditam nela, na grande reportagem. Em setembro de 2009, puseram na rua HONORÁVEIS BANDIDOS – Um retrato do Brasil na era Sarney. Uma reportagem de 250 páginas que, nos primeiros três ou quatro meses, bateu nos 100 mil exemplares vendidos. Mas como a grande reportagem morreu. É óbvio que não.
Agora, oferecem ao público leitor CRIME DE IMPRENSA – Um retrato da mídia brasileira murdoquizada. Mais uma vez, como é que a grande mídia não enxergou tão óbvio assunto? Por óbvias razões. CRIME DE IMPRENSA é o primeiro livro a usar como gancho a manipulação escandalosa levada a cabo pelos Grandes Irmãos durante as eleições presidenciais de 2010, para mostrar como, desde um século atrás, os leitores de periódicos, e mais tarde radiouvintes e telespectadores, são bombardeados por verdades que nem sempre são verdadeiras.
É óbvio que você não vai ler uma linha, escutar um segundo sobre CRIME DE IMPRENSA nos veículos de comunicação dos Grandes Irmãos.
08 de julho de 2012
Palmério Dória
Voltando Getúlio Vargas ao Catete nos braços do povo, como havia anunciado em 1945 ao ser apeado do poder, o óbvio jornalístico se materializa na forma de ÚLTIMA HORA, jornal popular em defesa de um governo popular – a favor das causas dos trabalhadores e das classes médias, da Petrobras, das medidas antitruste de Getúlio.
Em 1954, brandindo a bandeira contra a corrupção, toda a imprensa, exceto ÚLTIMA HORA, fez tal campanha contra certo “mar de lama”, que levou GV ao suicídio e só não sepultou UH porque o clamor popular impediu o golpe que ali vinha.
1964. Coroando uma campanha contra o “comunismo” que ia assaltar o poder, e de novo brandindo a bandeira contra a corrupção, toda a imprensa, exceto ÚLTIMA HORA, amparou enfim o golpe adiado em 1954 pelo tiro que GV se deu no peito. UH, era óbvio, sobreviveria uns poucos anos.
A linha popular, porém, ganharia status de jornalismo “cult” – embora num episódio efêmero – por obra de um ex-repórter de UH, Paulo Patarra, nem poderia ser por acaso. Paulo, agora trabalhando na Abril, sugere ao dono, Victor Civita, que lance uma revista mensal de reportagens. O curto diálogo que se seguiu convenceu VC:
“Mas nunca ninguém fez isso.”
“Justamente porque ninguém fez é que vai dar certo”, replicou o vitorioso Paulinho. Sua criação, REALIDADE, esgotou nas bancas a tiragem de 250 mil exemplares do número 1 e chegou a vender mais de meio milhão de exemplares, até ser abatida em pleno voo pelo maldito AI-5 em 13 de dezembro de 1968.
Anos de 1970. Jornalistas vindos de REALIDADE, capitaneados por Sérgio de Souza, durante apenas um ano, põem nas bancas a revista de contracultura O BONDINHO. A tentativa de jornalismo popular morreu de inanição, ignorada pelos anunciantes. Mas também virou “cult”.
1973. o mesmo Sérgio, o Serjão, funda com Narciso Kalili e Eduardo Barreto, estes dois também vindos de REALIDADE, o jornal EX-, mensário – logo transformado em “de-vez-em-quandário” por razões óbvias. Nesta redação, pela primeira vez os autores de CRIME DE IMPRENSA trabalham juntos e afinados. Ali, o escritor João Antônio cunhou a expressão “imprensa nanica” para nos classificar.
1975. O EX- é a única publicação a ir às bancas com extenso relato sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, numa reportagem que acuou a ditadura militar e animou o movimento pela anistia. Óbvio que, visitados por policiais que vieram notificá-los de que passavam a sofrer censura prévia, os jornalistas do EX- decidiram fechar suas portas.
1976. Idealizado por Hamilton Almeida Filho, que tinha passagens por REALIDADE, O BONDINHO e EX-, surge EXTRA – REALIDADE BRASILEIRA. O sagaz Haf, notando que a lei de imprensa da ditadura excluía da censura prévia os livros, lançou o livro-reportagem. O volume 1, O ÓPIO DO POVO, trouxe a primeira devassa nos bastidores da Rede Globo. Mas depois de outros três livros-reportagem, a Polícia Federal descobriu os meliantes. E o EXTRA fechou.
1977. O grupo de jornalistas ao qual pertenciam os autores de CRIME DE IMPRENSA vai quase em peso trabalhar com o gênio criador de UH: Samuel Wainer. Ele tinha sido obrigado a desfazer-se de seu jornal e abriu o semanário AQUI-SÃO PAULO, de política, reportagem e comportamento, tendo como editor-chefe Serjão.
Por suas relações com grandes empresários, Samuel conseguiu dois automoveizinhos Dodge, em cujas latarias mandou pintar o logotipo do jornal e os números 23 e 29, para dar impressão de que aquele nanico era uma potência. Foi sua derradeira aventura. O jornal durou pouco mais de um ano. Mas deu o tom de jornalismo popular da época, ao dar, como uma de suas últimas manchetes:
ESTADO DE DIREITO JÁ!
1978. Uma tentativa de reeditar o jornalismo popular de REALIDADE. A mesma turma, por sinal chefiada pelo próprio criador de REALIDADE, Paulo Patarra, põe nas ruas a revista REPÓRTER TRÊS. A equipe é reforçada por Fernando Morais e Caco Barcelos, entre outros.
Depois de um número 1 com matérias sobre o esquadrão da morte e seu chefe, o delegado famigerado Sérgio Fleury, sobre a Nicarágua vivendo uma revolução, sobre a fragilidade da segurança na usina nuclear de Angra, a equipe preparava o segundo número tendo como chamada principal na capa: O MELHOR FUTEBOL DO MUNDO NO PAÍS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO, sobre a Copa de 1978 na Argentina. É óbvio que o dono, Domingo Alzugaray, ainda por cima argentino, nos arrancou a revista das mãos.
Outra obviedade é que os autores de CRIME DE IMPRENSA e sua turma cada vez mais sentiam dificuldade para encontrar emprego na grande mídia. Estávamos sendo empurrados para uma saída encontrada pouco antes: livro-reportagem. O primeiro da série abordou assunto pioneiro, A GUERRILHA DO ARAGUAIA, de Palmério Dória com ajuda do fotógrafo Vincent Carelli, anos depois cineasta de CORUMBIARA, premiado no Festival de Gramado.
O filão aberto do livro-reportagem presenteou o público leitor nesses anos todos com trabalhos como OLGA, de Fernando Morais; ROTA 66 – A polícia que mata, de Caco Barcellos; MATARAM O PRESIDENTE – Memórias do pistoleiro que mudou a história do Brasil, de Palmério Dória, entre tantos.
Numa época em que certos arautos do mau jornalismo anunciam o fim da grande reportagem, mesmo contrariando provas vindas de toda parte, os autores de CRIME DE IMPRENSA se orgulham de figurar no time dos que acreditam nela, na grande reportagem. Em setembro de 2009, puseram na rua HONORÁVEIS BANDIDOS – Um retrato do Brasil na era Sarney. Uma reportagem de 250 páginas que, nos primeiros três ou quatro meses, bateu nos 100 mil exemplares vendidos. Mas como a grande reportagem morreu. É óbvio que não.
Agora, oferecem ao público leitor CRIME DE IMPRENSA – Um retrato da mídia brasileira murdoquizada. Mais uma vez, como é que a grande mídia não enxergou tão óbvio assunto? Por óbvias razões. CRIME DE IMPRENSA é o primeiro livro a usar como gancho a manipulação escandalosa levada a cabo pelos Grandes Irmãos durante as eleições presidenciais de 2010, para mostrar como, desde um século atrás, os leitores de periódicos, e mais tarde radiouvintes e telespectadores, são bombardeados por verdades que nem sempre são verdadeiras.
É óbvio que você não vai ler uma linha, escutar um segundo sobre CRIME DE IMPRENSA nos veículos de comunicação dos Grandes Irmãos.
08 de julho de 2012
Palmério Dória
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