Enquanto colunas de fumaça negra subiam para o céu de Damasco, em meio ao estrondo das bombas, uma indústria operava a pleno vapor na Síria: a da fabricação de rumores.
Depois do atentado de quarta-feira, ficamos sabendo que o presidente Bashar Assad havia fugido com sua mulher, que as deserções se multiplicam e, enfim, que a explosão de quarta-feira não foi fomentada nem pelos rebeldes nem pela Al-Qaeda, mas, bizarramente, pelo governo, para impedir uma conspiração contra o ditador. Em todos esses casos, nem confirmação nem desmentido. Uma observação: a proliferação de rumores, com frequência, acompanha os fins de reinados.
Imaginemos. Dizem que Assad deixou Damasco e está refugiado em Latakia, na costa noroeste de seu país. É uma hipótese aceitável, porque a cidade é um feudo da minoria alauita, variante do islamismo à qual pertence Assad, num país majoritariamente sunita.
Uma fuga como essa não significaria que o ditador abandonou o poder. Ele poderia simplesmente ter escolhido Latakia como foco da resistência. Logo depois do meio-dia da quarta-feira, porém, o jornal libanês As-Safir desmentia tudo.
Enquanto isso, uma espessa névoa envolve a natureza dos insurgentes. No começo, o desafio foi lançado pelo povo. No entanto, a violência e a potência do contra-ataque do regime modificou o quadro. A revolta militarizou-se, em parte graças aos soldados que desertaram para se unir aos rebeldes, o que ocorreu em meio a uma grande desordem.
O prolongamento da crise provocou uma segunda evolução: pouco a pouco, o comando unificado se instalou sob a sigla ESL (Exército Sírio Livre). Foi esse grupo que teve a audácia de lançar a batalha de libertação da capital, sob o nome grandiloquente de "Vulcão de Damasco".
O ESL mostrou sua força. Na segunda-feira, contudo, soube-se do surgimento na Turquia (país vizinho e próximo da revolução síria) de uma outra instância: o Comando Militar Comum, que conta com desertores de alta patente (ao menos 18 generais), entre os quais Mustafa al-Sheikh, refugiado no território turco há um ano.
A esse anúncio, o ESL, que luta dentro da Síria, respondeu com cumprimentos, mas em seguida acrescentou: "Não há direção do ESL fora da Síria". O espantoso é que todas essas manobras são feitas na sombra. O povo sírio, o mesmo que encarou os soldados nas ruas, não sabe muito bem o que representa o ESL.
Essa hegemonia dos militares sobre a revolta inquieta o povo de Damasco, que se lembra de que nos países libertados durante a Primavera Árabe os operários, os burgueses, as mulheres, os estudantes que derrubaram ao preço do próprio sangue regimes tirânicos, foram com frequência deixados de lado após a vitória, ora em benefício dos islamistas mais ou menos moderados, ora em benefício do Exército.
Enfim, outros atores da revolução síria - discretos, invisíveis, inatingíveis, temíveis - estão muito provavelmente em manobra. São os jihadistas, os islâmicos radicais ou simplesmente a Al-Qaeda, cuja marca alguns especialistas acreditam ver em um bocado de ações - por exemplo, nesse misterioso atentado que matou três autoridades na quarta-feira.
Muitos dos figurões que os jornais ocidentais nos apresentaram como engrenagens fundamentais do sistema de Assad, na realidade, não tinham grande influência sobre o regime. É o caso de Assef Shawkat, o cunhado de Assad, que o jornal Le Figaro descreveu como "o punho de ferro do clã Assad". Na verdade, o ambicioso e sinistro Shawkat estava em desgraça.
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
20 de julho de 2012
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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