Recentemente o Diário da Manhã publicou uma matéria onde psicólogos e
especialistas advogam a idéia de que haja um "transtorno psiquiátrico"
ligado à corrupção.
Esse tipo de afirmação lança uma confusão sobre o que seja a
doença mental. A natureza profunda desta última já foi muito bem estudada pela
psiquiatria, aliás por profissionais bem mais compententes do que eu. Heni Ey,
por exemplo, em seus "Études Psychiatriques", demonstra que onde há
possibilidade de escolha não há doença mental.
O indivíduo normal pode escolher entre fazer ou não fazer o
mal; já o doente mental perde esta "liberdade". O doente age ou
impulsivamente, ou agressivamente, irracionalmente, sem planejamento,
compulsivamente, prejudicando-se a si próprio com suas ações. É o
contrário do que faz o corrupto, pois este planeja, calcula os riscos e
benefícios, espera o momento certo, aufere lucros, evita prejudicar-se de todas
as maneiras. Criminoso patológico, por exemplo, é aquele que furta uma
bicicleta velha na porta da delegacia de polícia. É aquele que espanca as
pessoas que o amam, é aquele que não controla os próprios impulsos, sendo
o primeiro a ser prejudicado por isto.
o primeiro a ser prejudicado por isto.
O corrupto, o político, é exatamente o contrário disto; o
"espertinho" é a antítese disto. Só o temperamento pode adoecer e não
o caráter, pois o temperamento é algo biológico, é algo que pode ser herdado, é
algo que depende do cérebro, e a biologia adoece.
Mas o caráter é algo moral, o caráter é uma criação
cultural-espiritual do homem e isto não adoece. Uma pessoa pode ter tido uma má
orientação do pai, da mãe, da cultura do país, mas isto configura um desvio de
caráter, não uma doença. O ato do mau-caráter envolve a completa possibilidade
de decidir racionalmente e calmamente entre o bem e o mal. Se ele decide pelo
mal isto não se dá por causa da impulsividade ou da compulsão, ele decide
porque quer levar algum tipo de vantagem e calcula os riscos-benefícios para
isto.
Como dizia Sartre, temos de arcar com a própria
responsabilidade. Talvez tenha sido uma pesquisa que tenha confundido tudo isto
ao mostrar que os corruptos adoecem mais de hipertensão, infarto, obesidade,
úlcera péptica, etc. Tudo bem, isto pode ser correto, mas não é porque um
comportamento gerou uma doença física que este comportamento, por si só, deve
ser considerado como doença. Estes problemas físicos podem muito bem ser
consequência do estresse pelo qual passa o corrupto ou o criminoso. Já é o
"preço" que ele está pagando por ser dono da própria liberdade. A
liberdade do homem normal envolve riscos e este é um deles.
20 de julho de 2012
Marcelo Caixeta é psiquiatra
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