A figura que melhor representa o atual estágio de nossa política partidária, até porque, mesmo responsável direto pela maior derrota de seu aliado PSDB, pode se considerar “vitorioso” nesta eleição, é o prefeito Gilberto Kassab.
As características mais enraizadas, a esperteza mais óbvia, todas as ambiguidades de nossa política que afugentam o eleitor das urnas em nível nunca antes registrado estão reunidas em Kassab e em seu novo-velho PSD, partido que não é “nem de centro nem de direita nem de esquerda”.
Para se ter uma ideia de como o prefeito paulistano é capaz de uma política pragmática, basta ver que ele é um dos principais articuladores no Congresso da aprovação de uma lei que impede novos partidos que venham a ser criados de ter tempo de TV e fundo partidário.
A ideia é desestimular a criação de novos partidos, e Kassab está realmente preocupado com a possibilidade de novas legendas pipocarem no cenário político.
Mas ele não foi o criador de um dos mais recentes partidos? Claro, mas agora, após ter ameaçado disputar até no STF o direito a tempo de propaganda eleitoral e dinheiro, ele quer fechar a torneira. E tem razão.
Ao todo são 30 partidos legalmente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Depois do PSD, foram criados mais dois: Partido Pátria Livre (que já tem até um senador) e Partido Ecológico Nacional. Na fila do TSE há vários outros: Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil (PSPTP); Aliança Renovadora Nacional (Arena); Partido Nacionalista Democrático (PND); União Democrática Nacional (UDN); Partido Pirata do Brasil (Piratas); e Partido Federalista.
Com taxa de rejeição altíssima, mesmo assim Kassab foi assediado por petistas e tucanos, na suposição de que a máquina municipal teria serventia em uma disputa que se mostrava difícil.
Lula farejou com precisão em São Paulo para onde o vento soprava e obteve sua grande vitória pessoal, coisa que não ocorreu no resto do país, onde sofreu derrotas pessoais importantes em Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Manaus, Campinas, Belo Horizonte.
Em São Paulo, porém, Lula acertou a mão na escolha de um candidato que vestiu o PT com roupagem nova, longe do mensalão, embora tenha arriscado muito com o apoio de Maluf e pudesse ter levado para seu candidato toda a rejeição do prefeito caso o PSDB não tivesse convencido Serra a se candidatar.
A “lealdade” a quem o levou ao poder fez Kassab abandonar o namoro com o PT. Mas a “lealdade” era apenas local, e o PSD passou a fazer acordos políticos com os petistas e o Planalto em diversas disputas municipais, como em Belo Horizonte, a pedido da presidente Dilma, ou no interior paulista.
Na eleição para prefeito de São Carlos, o PSD de Kassab apoiou Osvaldo Barba, do PT, que não conseguiu a reeleição. Mas o PT registrou a boa-vontade. Em Ribeirão Preto, foi a vez de o PT apoiar a reeleição de Dárcy Vera, do PSD.
Na capital mineira, teve que fazer uma intervenção no diretório local do PSD, que pendia para um acordo com o prefeito Marcio Lacerda, do PSB.
A situação ambígua desse apoio de Kassab a Serra a nível local e ao Planalto a nível nacional provocou situações estranhas, como estar no palanque do derrotado e já aparecer como uma das forças de apoio a Haddad mesmo antes que as urnas decretassem a derrota de seu “padrinho”.
Foi o alvo preferencial das críticas da campanha petista e passa a ser aliado importante na grande aliança governista.
Com a força que sua legenda ganhou — além de ser hoje a quarta maior bancada no Congresso, o PSD emplacou 494 prefeitos —, Kassab tornou-se figura importante no jogo político de Brasília, para onde se muda ao fim de seu mandato para articular seu papel na disputa presidencial de 2014. Um ministério aguarda o PSD.
Nesse caso terá outro problema de “lealdade” para gerir caso o governador Eduardo Campos resolva mesmo sair do campo governista para ser candidato à sucessão de Dilma. Como se sabe, o PSD de Kassab foi uma construção conjunta com o PSB de Campos, e os dois partidos chegaram a pensar em uma fusão logo no início.
Mas esse é doce problema que será resolvido a seu tempo, mesmo porque nada indica que Campos, também dentro do espírito pragmático que norteia nossa política, vá decidir logo que rumo tomará. Até 2014 há muito tempo para negociar.
30 de outubro de 2012
Merval Pereira, O Globo
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