As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas.
Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos leitores.
Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a qualidade dos jornais.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe.
É uma bobagem.
Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos.
Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção.
A frieza não é humana e, portanto, é antijornalística.
A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida.
Todos os dias.
A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade.
E é isso que conta.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas.
O jornalista engajado é sempre um mau repórter.
Militância e jornalismo não combinam.
Trata-se de uma mescla talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do sectarismo.
O militante não sabe que o importante é saber escutar.
Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.
O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história.
Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Trata-se de um esforço de isenção mínimo e incontornável. Mas alguns desvios transformam um princípio irretocável num jogo de cena.
Matérias previamente decididas em guetos engajados buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se fundamenta na busca da verdade.
É uma estratégia.
O assalto à verdade culmina com uma tática exemplar:
a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca, então, pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir.
Personalidades entrevistadas avalizam a "seriedade" da reportagem.
Mata-se o jornalismo.
Cria-se a ideologia.
É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda.
Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos profetas das ideologias.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade da informação. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor a sensação de uma fraude.
Mesmo assim, os jornais têm prestado um magnífico serviço no combate à corrupção e na construção da democracia. Alguém imagina que o saldo extraordinário do julgamento do mensalão teria sido possível sem uma imprensa independente? Os réus do mensalão podem fazer absurdas declarações de inocência, desmentidas por um conjunto sólido de provas.
Podem até mesmo manifestar desprezo pelas instituições da República.
Para o ex-presidente Lula, por exemplo, o povo não está interessado no mensalão, mas no desempenho do Palmeiras.
A declaração, lamentável, pode até corresponder ao atual estágio da consciência política de grandes parcelas da sociedade. Mas o julgamento do mensalão, ao contrário do que pensa Lula, vai mudar muita coisa. Vai, sobretudo, dar um basta ao pragmatismo aético que tanto mal tem feito ao Brasil. O mensalão, que Lula pateticamente insiste em dizer que não existiu, não foi uma invenção da imprensa. Foi o resultado acabado de uma trama criminosa articulada no seu governo. A imprensa apenas cumpriu o seu papel de denúncia e de cobrança. É sempre assim.
Foi assim com Fernando Collor.
E será assim no futuro.
Jornais de credibilidade oxigenam a democracia.
As tentativas de controle da mídia, abertas ou disfarçadas, são sempre uma tentativa de asfixiar a liberdade.
A democracia reclama um jornalismo vigoroso e rigoroso. Recentemente, Arthur Sulzberger Jr., chairman e publisher do jornal The New York Times, em entrevista a O Estado de S. Paulo, sublinhou a importância de uma marca de credibilidade, independentemente da plataforma informativa:
"A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo em que se pode confiar. Mudar para o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é essencialmente única".
É isso aí.
Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética.
Só isso atrairá consumidores, no papel, no tablet, no celular, em qualquer plataforma.
E só isso garantirá a permanência da democracia.
Por isso governos autoritários, apoiados em currais eleitorais comprados ao preço da cruel perenização da ignorância e, consequentemente, da falta de senso crítico, investem contra a imprensa de qualidade e contra os formadores de opinião que não admitem barganha com a verdade.
O jornalismo tropeça em armadilhas.
Nossa profissão enfrenta desafios, dificuldades e riscos sem fim.
E é aí que mora o desafio.
Carlos Alberto Di Franco O Estado de S. Paulo
30 de outubro de 2012
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