"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

MISSÃO CUMPRIDA

 

O desrespeito do cidadão Luiz Inácio da Silva pelo Congresso ficou conhecido quando qualificou a Casa como reduto de "300 picaretas". Faz quase 20 anos.
 
Sua indiferença pelo Legislativo já ficara patente na atuação displicente e inexpressiva passagem como deputado constituinte.
 
Quando Lula ganhou a eleição para presidente, logo ficou claro que além do desdém havia o intento de investir na desqualificação do Parlamento. Fazê-lo servil, enquadrá-lo de vez ao molde da presumida vigarice.
 
Não é conjectura, é fato: foi a partir de 2003 que o chamado baixo clero passou a assumir posição de destaque, a dominar os postos importantes, a assumir posições estratégicas.
 
Era uma massa até então quase incógnita, em sua maioria bastante maleável às investidas do Executivo e disposta a fazer do mandato um negócio lucrativo.
 
Note-se que na época o encarregado de fazer a "ponte" entre o Parlamento e o Planalto era ninguém menos que Waldomiro Diniz, o braço direito de José Dirceu na Casa Civil, cujos métodos ficariam conhecidos quando apareceu um vídeo onde extorquia o bicheiro Carlos Cachoeira.
 
A maneira como seria tratado o Congresso era perceptível no tom das lideranças petistas recentemente investidas no poder, quando a conversa era a formação da base governista.
 
Não se falava em compra financeira de apoio tal como se viu depois quando Roberto Jefferson rompeu a lei da Omertà e denunciou o mensalão, mas se dizia abertamente que a cooptação seria fácil agora que estavam na posse do aparelho de Estado.
 
Uma das consequências dessa inflexão ladeira abaixo foi o isolamento gradativo e por vezes voluntário, de deputados e senadores de boa biografia, com nome a zelar e atuação legislativa relevante.
 
Ao longo dos dois mandatos de Lula o Parlamento "caiu" na mesma proporção em que a figura do presidente se sobressaiu, em franca evidência de desequilíbrio entre Poderes.
 
Com o patrocínio da CPI que se encerra em grau inédito de desmoralização, cujo sentido vexativo não será eliminado com um remendo no relatório final, o ex-presidente conseguiu completar sua obra e cumprir o vaticínio sobre os "300 picaretas".
 
Não que não existam. Existem e pela degeneração do desempenho é possível que seja esse o número aproximado. Mas o Congresso não é só isso e disso dá notícia outra época em que ali a regra era a atividade política. As transações condenáveis se não chegavam a ser exceção, ao menos ficavam relegadas a um segundo plano.
 
Embora quem não acompanhe de perto o Parlamento seja cético quanto a isso, as coisas por lá já foram muito diferentes. E se foram melhores podem voltar a ser.
 
Cabe ao Poder Legislativo compreender a gravidade da derrocada nesse poço que parece não ter fundo, reunir as parcas forças ali ainda existentes e de alguma maneira reagir para o bem da saúde democrática.
 
Supremacia. Consistente, firme, autônomo, convicto de seus valores. Assim pareceu o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, em seu discurso sem enfeites.
 
Defendeu uma Justiça que não tarde, não falhe e preserve a independência do juiz. Assim como ele.
Celebrá-lo pelo quesito cor da pele é olhar só a parte de fora de uma obra sólida.
 
Desfeita. Se com o semblante fechado a presidente Dilma Rousseff quis demonstrar contrariedade em relação ao ministro Joaquim Barbosa, conseguiu destacar-se pela deselegância em momento de homenagem.
 
Queira o bom senso que a presidente não tenha escolhido a fisionomia zangada pelo mesmo critério que o deputado Odair Cunha escolheu os indiciados no relatório da CPI: para dar uma satisfação a Lula.

23 de novembro de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário