De tudo que aprendi nestes 40 anos de observação atenta das nossas desventuras politicas a síntese mais importante é que o turning point que dividiu as sociedades europeias e suas extensões nos demais continentes em dois mundos diferentes que nunca mais conseguiram se reencontrar plenamente foi o desvio do chamado “direito romano” que, a partir da conspiração iniciada na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, separou a Europa Latina da herança, até então compartilhada por todo o continente, do Direito Comum baseado na tradição e mergulhou-a no labirinto do absolutismo monárquico e seus restos e cacos onde até hoje anda perdida, enquanto a Inglaterra e os países nórdicos seguiram pela senda de sempre da Common Law.
Para além da justificação teórica e da estruturação do arbítrio em instituição, fontes primárias da corrupção e do culto à impunidade de que as vítimas desse desvio nunca mais se conseguiram livrar, esse desligamento entre a ideia de Justiça e o senso comum trouxe outro prejuízo irreparável.
Dispensou-nos do culto à história do cotidiano; da obrigação de revisitar a história das relações entre os homens comuns das nossas sociedades através do tempo; dispensou-nos de depurar cerimonialmente e, por fim, institucionalizar os limites “de sempre” dos direitos e deveres de cada um, tarefa que segue sendo obrigatória para quem procura Justiça nos sistemas de Common Law baseados no princípio do precedente em que, ha 700 anos, registra-se com uma minúcia normatizada todas as transações e embates de interesses entre os homens comuns.
Para eles, justo é aquilo que a sociedade tem praticado e aceito como bom ao longo do tempo; “Direito” é o que o povo tem aceito como tal.
Para as vítimas do engodo de Bolonha “Direito” é o que quer que nos digam que seja, em geral numa língua que a maior parte de nós não entende.
Sobrou-nos a guisa de “História”, como erzats mambembe dessa história real das relações do dia a dia das pessoas comuns e de sua evolução permanentemente discutida e controlada, a historiografia oficial que, a pretexto de descrever a trajetória dos “grandes homens”, em geral põe os fatos a serviço da justificação dos crimes e das falcatruas desses “vencedores” que se impuseram aos seus povos.
E se isso não faz propriamente Direito sem aspas, faz costume, consolida baldas, aplaina o senso crítico.
A História real – essa da revisitação do cotidiano – é a psicanálise das sociedades.
Só com o domínio dela; só sabendo, passo a passo, como se tornaram o que são, as sociedades podem amadurecer e tomar posição para selecionar racionalmente seus caminhos, definir o que não querem ser, esboçar uma ideia de devir e, como consequência, se aperfeiçoar institucionalmente.
As que se condenaram a se ver exclusivamente pelo espelho distorcido da história reescrita pelos seus “heróis” estão sujeitas às revisões sucessivas e “revolucionárias” nas quais virtudes e pecados constantemente trocam de sinal ao sabor de quem substitui quem no poder, até que não sobre em pé valor nenhum.
22 de janeiro de 2013
vespeiro
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