João Goulart foi deposto por açodamento: quis fazer todas as reformas de base
ao mesmo tempo. Despertou contra ele a oposição de sucessivos segmentos sociais,
culminando quando deu apoio à quebra da hierarquia militar.
Ao pregar a reforma agrária, levantou a poderosa categoria dos donos da terra. “Armai-vos uns aos outros” foi lema rotineiro na época. Com a reforma social, tentando ampliar direitos trabalhistas, teve contra ele o empresariado, também apavorado com a perspectiva de mais impostos e limitação de suas prerrogativas, sem falar na participação dos empregados no lucro das empresas.
Jango perdeu a classe média ao estimular greves e paralisações nos meios operários, entregando o setor sindical aos comunistas. Assustou as multinacionais com nova lei restritiva da remessa de lucros para o exterior. Desapropriou refinarias e empresas prestadoras de serviços públicos, nacionais e estrangeiras. Quis interromper a farra dos bancos com a criação de mais entraves nas operações financeiras.
SEM APOIO
Perdeu o Congresso, majoritariamente conservador, ao prestigiar setores da extrema esquerda. Sua reforma do ensino previa o estrangulamento das escolas e universidades privadas, enquanto na saúde, enfrentou os laboratórios estrangeiros criando um sucedâneo estatal, produtor de remédios a baixo custo.
Não esqueceu a reforma urbana para limitar o preço crescente dos aluguéis e impedir que casas e apartamentos ficassem vazios em prol da especulação imobiliária. Na política externa, manteve abertas as portas para o Terceiro Mundo.
Foi embora o que lhe restava de apoio quando respaldou associações de sargentos até então impedidos de candidatar-se a postos eletivos caso não se demitissem das forças armadas. Ao anistiar marinheiros e fuzileiros navais rebelados, estava no chão, de nada adiantando o anunciado programa de comícios em praça pública para fazer, por decreto, o que o Congresso não fazia por lei, ou seja, as reformas de base.
Ficou no primeiro comício, na Central do Brasil, no Rio, defronte ao ministério da Guerra, senão por provocação, ao menos por ingenuidade. Caiu, vale repetir, por açodamento, por despertar de uma só vez a oposição da maior parte das forças nacionais.
DILMA FAZ O MESMO
Por que se recorda esse capítulo fascinante e ainda inconcluso da história do país? Porque a presidente Dilma, agora assumindo sua candidatura à reeleição, precisa meditar se não está regendo a mesma partitura, ainda que em decibéis por enquanto mais baixos.
Apesar das aparências, contra ela está o sistema financeiro, com os bancos engolindo sem digerir a súbita queda dos juros e a supressão de uma série de vantagens que levavam sobre os depositantes e sobre a economia nacional.
O empresariado é prestigiado por ela quando se trata de pedir sugestões até agora não atendidas, ou muito pouco, como o anunciado desafogo nas folhas de pagamento das empresas. As restrições ao crédito, promovidas pelo sistema bancário, são debitadas a ela, ou à sua equipe econômica, não aos bancos.
Mesmo levando a reforma agrária a passos de tartaruga, a presidente não atende as exigências do agro-negócio e desperta amuos nos exportadores.
Posicionou-se em franca oposição às nações ricas ao pregar que a crise econômica deve ser enfrentada com crescimento, não com demissões e cortes nos investimentos sociais. Não é de graça que o Brasil quase parou de crescer, entre outras causas, por não estar alinhado à política dos poderosos.
Mesmo anunciando pequenas privatizações, deixou de sensibilizar investidores ao manter rígido controle estatal sobre a esperada e não concretizada abertura ao capital privado.
Contra ela insurge-se boa parte do funcionalismo público, com ênfase para os professores, por conta da compressão salarial. Junte-se ao grupo os aposentados e pensionistas que recebem pouco acima do salário mínimo e vem sendo reduzidos a cada ano.
FRUSTRAÇÕES
As próprias centrais sindicais ameaçam com pruridos de inconformidade, frustradas pelo isolamento a que foram condenadas nos últimos dois anos. Ao lado delas, os partidos políticos, a começar pelo PT, deixados à margem ou mal atendidos, como não desejariam. Não é de graça que o PMDB apresenta o que tem de pior para as presidências do Senado e da Câmara.
A classe média custa a exprimir-se, mas nem de longe anda satisfeita. Basta ver a ampla votação que, mesmo derrotado, José Serra obteve para a prefeitura de São Paulo. A Igreja isolou-se nas sacristias mas ressente-se por não estar sendo convocada.
Os militares? Deglutem sapos em posição de sentido, mas amontoam ressentimentos, desde a mínima renovação de seu equipamento às atividades da Comissão da Verdade e à exaltação e ao aproveitamento de quantos, como Dilma, dedicaram-se na juventude ao sonho irreal da subversão. As forças armadas cumprem hoje a missão constitucional, mas o seu óbvio desconforto, se não pode ser transformado em sublevação, também jamais reverterá em apoio.
Em suma, se não há que comparar os idos de 1964 com os tempos atuais, torna-se necessário atentar para as lições do passado, que se raras vezes nos aponta o que fazer, quase sempre nos revela o que evitar. No caso, a importância de não serem abertas de uma só vez todas as frentes de luta, razão maior da queda de Jango e, ao menos, um obstáculo à reeleição de Dilma Rousseff…
22 de janeiro de 2013
Carlos Chagas
Ao pregar a reforma agrária, levantou a poderosa categoria dos donos da terra. “Armai-vos uns aos outros” foi lema rotineiro na época. Com a reforma social, tentando ampliar direitos trabalhistas, teve contra ele o empresariado, também apavorado com a perspectiva de mais impostos e limitação de suas prerrogativas, sem falar na participação dos empregados no lucro das empresas.
Jango perdeu a classe média ao estimular greves e paralisações nos meios operários, entregando o setor sindical aos comunistas. Assustou as multinacionais com nova lei restritiva da remessa de lucros para o exterior. Desapropriou refinarias e empresas prestadoras de serviços públicos, nacionais e estrangeiras. Quis interromper a farra dos bancos com a criação de mais entraves nas operações financeiras.
SEM APOIO
Perdeu o Congresso, majoritariamente conservador, ao prestigiar setores da extrema esquerda. Sua reforma do ensino previa o estrangulamento das escolas e universidades privadas, enquanto na saúde, enfrentou os laboratórios estrangeiros criando um sucedâneo estatal, produtor de remédios a baixo custo.
Não esqueceu a reforma urbana para limitar o preço crescente dos aluguéis e impedir que casas e apartamentos ficassem vazios em prol da especulação imobiliária. Na política externa, manteve abertas as portas para o Terceiro Mundo.
Foi embora o que lhe restava de apoio quando respaldou associações de sargentos até então impedidos de candidatar-se a postos eletivos caso não se demitissem das forças armadas. Ao anistiar marinheiros e fuzileiros navais rebelados, estava no chão, de nada adiantando o anunciado programa de comícios em praça pública para fazer, por decreto, o que o Congresso não fazia por lei, ou seja, as reformas de base.
Ficou no primeiro comício, na Central do Brasil, no Rio, defronte ao ministério da Guerra, senão por provocação, ao menos por ingenuidade. Caiu, vale repetir, por açodamento, por despertar de uma só vez a oposição da maior parte das forças nacionais.
DILMA FAZ O MESMO
Por que se recorda esse capítulo fascinante e ainda inconcluso da história do país? Porque a presidente Dilma, agora assumindo sua candidatura à reeleição, precisa meditar se não está regendo a mesma partitura, ainda que em decibéis por enquanto mais baixos.
Apesar das aparências, contra ela está o sistema financeiro, com os bancos engolindo sem digerir a súbita queda dos juros e a supressão de uma série de vantagens que levavam sobre os depositantes e sobre a economia nacional.
O empresariado é prestigiado por ela quando se trata de pedir sugestões até agora não atendidas, ou muito pouco, como o anunciado desafogo nas folhas de pagamento das empresas. As restrições ao crédito, promovidas pelo sistema bancário, são debitadas a ela, ou à sua equipe econômica, não aos bancos.
Mesmo levando a reforma agrária a passos de tartaruga, a presidente não atende as exigências do agro-negócio e desperta amuos nos exportadores.
Posicionou-se em franca oposição às nações ricas ao pregar que a crise econômica deve ser enfrentada com crescimento, não com demissões e cortes nos investimentos sociais. Não é de graça que o Brasil quase parou de crescer, entre outras causas, por não estar alinhado à política dos poderosos.
Mesmo anunciando pequenas privatizações, deixou de sensibilizar investidores ao manter rígido controle estatal sobre a esperada e não concretizada abertura ao capital privado.
Contra ela insurge-se boa parte do funcionalismo público, com ênfase para os professores, por conta da compressão salarial. Junte-se ao grupo os aposentados e pensionistas que recebem pouco acima do salário mínimo e vem sendo reduzidos a cada ano.
FRUSTRAÇÕES
As próprias centrais sindicais ameaçam com pruridos de inconformidade, frustradas pelo isolamento a que foram condenadas nos últimos dois anos. Ao lado delas, os partidos políticos, a começar pelo PT, deixados à margem ou mal atendidos, como não desejariam. Não é de graça que o PMDB apresenta o que tem de pior para as presidências do Senado e da Câmara.
A classe média custa a exprimir-se, mas nem de longe anda satisfeita. Basta ver a ampla votação que, mesmo derrotado, José Serra obteve para a prefeitura de São Paulo. A Igreja isolou-se nas sacristias mas ressente-se por não estar sendo convocada.
Os militares? Deglutem sapos em posição de sentido, mas amontoam ressentimentos, desde a mínima renovação de seu equipamento às atividades da Comissão da Verdade e à exaltação e ao aproveitamento de quantos, como Dilma, dedicaram-se na juventude ao sonho irreal da subversão. As forças armadas cumprem hoje a missão constitucional, mas o seu óbvio desconforto, se não pode ser transformado em sublevação, também jamais reverterá em apoio.
Em suma, se não há que comparar os idos de 1964 com os tempos atuais, torna-se necessário atentar para as lições do passado, que se raras vezes nos aponta o que fazer, quase sempre nos revela o que evitar. No caso, a importância de não serem abertas de uma só vez todas as frentes de luta, razão maior da queda de Jango e, ao menos, um obstáculo à reeleição de Dilma Rousseff…
22 de janeiro de 2013
Carlos Chagas
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