Artigos - Cultura
Desde então, à medida que o fenômeno alcançava dimensões maiores e mais alarmantes, não cessei de acrescentar a essa obra, em artigos e conferências, inúmeras atualizações, esclarecimentos e novas análises.
Ao longo de todo esse período, não veio, da mídia ou do establishment universitário, nenhum sinal de que alguém ali desejasse discutir seriamente o problema ou reconhecer, ao menos, que um cidadão desperto havia soado o alarma.
Ao contrário: tudo fizeram para ocultar a presença do mensageiro e dar por inexistente o mal que ele apontava, do qual eles próprios, por suas ações e omissões, eram os sintomas mais salientes.
Chegaram ao cúmulo de, não podendo ignorar de todo as obras essenciais que eu recolocava em circulação com extensas introduções, notas e comentários, noticiá-las sem mencionar o nome do preparador, como se os textos abandonados no fundo do baú da desmemória nacional tivessem saltado dali por suas próprias forças, sem nenhuma ajuda minha.
Inaugurado quando da minha edição dos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux em 1998, o “Consenso Nacional da Vaca Amarela”, como o chamei na ocasião, continua em pleno vigor, como se vê por dois exemplos recentes.
Na Folha de S. Paulo, um sr. Michel Laub faz ponderações sobre a “Dialética Erística” de Schopenhauer, usando a edição comentada que dela publiquei pela Topbooks em 1998 e esmerando-se em suprimir o meu nome ao ponto de atribuir ao filósofo alemão o título editorial “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”, como se fosse do texto original e não dos meus comentários.
Em recente edição da Carta Capital, o sr. Mino Carta deplora o que ele chama de “imbecilização coletiva”, no tom de quem soa um alerta pioneiro e fingindo ignorar que esse termo, há muito tempo, já deixou de ser uma expressão genérica para se tornar alusão a um dos livros mais lidos das últimas décadas.
Talvez eu devesse estar contente de que, mesmo sem menção ao tremendo esforço que fiz para revelá-lo, o fenômeno mesmo se tornasse por fim objeto de alguma atenção. Mas o sr. Carta só toca no problema com a finalidade de encobrir suas causas, lançar as culpas sobre os bodes expiatórios de sempre e bloquear, enfim, toda possibilidade da discussão séria pela qual venho clamando desde 1996.
Desde logo, ele só enxerga a degradação cultural do Brasil pelo aspecto quantitativo da escassez de grandes obras – a qual, em si, não seria tão grave se a massa da produção mediana e os debates correntes dessem testemunho de um nível de consciência elevado, honrando uma herança que já não se consegue emular.
É justamente a queda do nível de consciência geral que justifica falar de “imbecilização”, quando a mera diminuição do número de gênios por quilômetro quadrado seria chamada mais propriamente de “empobrecimento” ou coisa assim.
Desprovido de qualquer tino de historiador ou sociólogo, o sr. Carta limita-se a registrar o fenômeno com a superficialidade de um resenhista cultural. Não apenas entra no debate com um atraso monstruoso, mas rebaixa formidavelmente o nível de análise já alcançado uma década e meia antes.
Com aquele automatismo de quem já tem resposta pronta para todas as questões em que não pensou, ele lança o débito da miséria cultural brasileira na conta dos culpados genéricos mais à mão, os malditos capitalistas, sobretudo os donos da mídia. Em suma: os concorrentes comerciais do sr. Carta, que odeia o capitalismo mas ama o capital ao ponto de fazer dele o nome da sua revista.
Pergunto eu, em que foi que os expoentes da cultura brasileira antiga, um Guimarães Rosa, um Graciliano Ramos, um Gilberto Freyre, um Manuel Bandeira, dependeram jamais da mídia para produzir suas altas criações? O sr. Carta, com toda a evidência, confunde cultura com show business: este não sobrevive sem a mídia, mas os grandes, os espíritos criadores, trabalham não só longe dela como contra ela. O que quer que ela diga ou faça não pode reforçar ou tolher sua inspiração.
Em segundo lugar, a imbecilização da própria midia, que reflete na esfera mais baixa o decréscimo de QI nos andares superiores, não é de maneira alguma culpa dos empresários. Quem quer que tenha alguma experiência de jornalismo no Brasil sabe que os donos e acionistas só interferem na redação muito raramente e na defesa de pontos específicos do seu interesse, deixando a orientação geral das publicações aos cuidados das celebridades jornalísticas, das primas donas, que aí imperam com invejável liberdade de movimentos, como o próprio Sr. Carta imperou no Jornal da Tarde, na Veja e em não sei mais quantos lugares.
E sabe também que essas lindas criaturas implantaram nas redações, desde a década de 80, o mais estrito monopólio esquerdista, restringindo o espaço das vozes discordantes, eliminando qualquer possibilidade de confrontação de idéias e ainda discursando cinicamente contra o “pensamento único”, como se o único “pensamento único” que ali se praticava não fosse o delas próprias. Mais sobre este assunto no próximo artigo.
15 de fevereiro de 2013
Olavo de Carvalho
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