O governo decidiu ontem manter por decreto a redução das tarifas de energia, enquanto estuda a forma de manter a desoneração da folha de pagamento a diversos setores da economia.
O Planalto, portanto, perdeu as esperanças de levar o presidente do Senado, Renan Calheiros, a pôr afinal em votação as respectivas medidas provisórias (MPs), cuja validade expira um minuto antes da meia-noite da próxima segunda-feira.
Havia quem imaginasse que ele poderia ser induzido a mudar de ideia para poupar o Senado da pecha de ir de encontro aos interesses da população e do empresariado.
O que não muda é a constatação de que a presidente Dilma Rousseff mais uma vez saiu humilhada de um embate no Congresso Nacional. Ela assumiu o Planalto há exatos 2 anos, 4 meses e 30 dias.
E continua tão despreparada a interagir com o Legislativo como ao tomar posse.
O vexame político não surpreende. Duas semanas atrás, quando teve de votar a toque de caixa a Medida Provisória dos Portos, também em vias de caducar, Calheiros prometeu que a partir de então apenas mandaria a plenário as MPs que chegassem ao Senado pelo menos sete dias antes de perder eficácia.
Do contrário – argumentou, coberto de razão – o papel da instituição se limitaria a carimbar e despachar, sem debates nem mudanças, as medidas que a Câmara dos Deputados teve tempo de sobra para discutir, emendar e enfim aprovar.
Para todos os efeitos práticos, a função do Senado, nesses casos, se tornaria meramente homologatória. (Pelas regras atuais, o Congresso tem 120 dias para se pronunciar sobre uma MP. A norma não estabelece prazos específicos para cada Casa.)
O Planalto ou entendeu que a promessa de Calheiros não passava de uma bravata ou foi espetacularmente incapaz de agir de acordo. E isso, estando em jogo duas matérias da mais alta importância para a presidente. A MP 601, a da desoneração, foi emitida em dezembro passado.
Inclui, entre outras provisões destinadas a aquecer a economia, a prorrogação do Programa Reintegra, que devolve aos exportadores até 3% dos tributos que tiverem pago. A MP 605, a das contas de luz, data de janeiro – e deu ensejo ao primeiro comício reeleitoral de Dilma, disfarçado de pronunciamento oficial em rede nacional.
O texto remaneja recursos federais de modo a assegurar reduções tarifárias de 18% para consumidores residenciais e de até 32% para a indústria. Juntas, as MPs representam para o setor produtivo um alívio da ordem de R$ 8,3 bilhões – e um incentivo para o voto em Dilma no ano que vem.
Com tantas fichas em jogo, o governo não soube mobilizar o comando da Câmara e as lideranças da base aliada para que as medidas fossem votadas com a presteza necessária, a fim de não correrem o risco de morrer na praia do Senado.
Mas o fiasco supremo do Planalto foi não conseguir a aprovação das matérias – e o seu envio à outra Casa – nem mesmo na segunda-feira, quando terminava a contagem regressiva para atender à demanda de Calheiros.
Só no dia seguinte a Câmara terminou de fazer a sua parte. Tarde demais para o cronograma do presidente do Senado. Ele apenas entreabriu uma fresta: caso as lideranças partidárias, sem exceção, aceitassem votar as MPs a tempo de salvá-las, abriria mão de sua exigência. A oposição, representada pelo PSDB, DEM e PSOL, disse não. Talvez possa ser pressionada a ceder.
O governo perdeu o prazo segunda-feira porque a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e sua colega Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, deram um show de bate-cabeça que elevou ao suprassumo a já notória descoordenação política da presidência Dilma.
O que emperrava a votação era o destino do projeto de lei complementar que extingue a multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS dos empregados demitidos sem justa causa.
A facada acrescenta R$ 3,2 bilhões aos cofres da União, e a ministra política trabalhava com a posição da Casa Civil, segundo a qual a proposta era inegociável – quando já estava sendo negociada. (Irá a plenário em 3 de julho.) Alheia à novidade, Ideli não pôde usá-la para dobrar a resistência de partidos da própria base na Câmara a votar as MPs.
A sessão caiu e o respeito dos políticos pela presidente, também.
30 de maio de 2013
Editorial do Estadão
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