Esperava-se que a visita do primeiro-ministro turco Recep Erdogan a Washington, pressionasse o governo Obama a adotar posição mais dura contra o regime sírio. Houve notícias de que Erdogan chegava em busca de uma zona aérea de exclusão sobre a Síria, liderada pelos EUA, e de aumento no suprimento de armas para os ‘rebeldes’.
Mas, no encontro, Obama manteve a posição anterior e insistiu que não há “fórmula mágica” para resolver a crise. Claro que a resposta veio envolta em trivialidades diplomáticas, durante a conferência conjunta, dos dois governantes, com a imprensa na Casa Branca. Mas não foi a resposta que Erdogan esperava obter.
Em termos simplificados, Obama não dá sinais de estar disposto a permitir que os EUA afundem-se em mais um atoleiro semelhante ao Iraque. Quer ‘mudança de regime’, sim, mas tem de ser transição negociada, como ele próprio disse, “na qual as instituições sírias sejam mantidas em funcionamento, mas tenhamos um corpo representativo, multiétnico, multirreligioso, que consiga trazer democracia e paz para a Síria.”
Noutra fala, Obama acrescentou que tem de ser uma Síria “intacta e inclusiva de todos os grupos étnicos e religiosos; e fonte de estabilidade, não de extremismo.”
Uma boa coisa resultante da conferência de imprensa foi que Obama reverteu à ideia de uma conferência de paz em Genebra. Disse: “Acho, sim, que a possibilidade de conversações em Genebra, envolvendo russos e representantes, sobre uma transição política séria, que todos os partidos possam aceitar pode dar resultado.”
ARMAS QUÍMICAS
Mas, e quanto às armas químicas e a “linha vermelha”? Eis o que, literalmente, disse Obama: “Esse é problema internacional. Tenho grandes esperanças de poder continuar a trabalhar com todos os partidos envolvidos, para encontrar uma solução que leve a paz à Síria, estabilize a região, estabilize aquelas armas químicas. Mas não será algo que os EUA farão sozinhos.”
As imagens em vídeo mostraram um Erdogan anormalmente submisso, tomando chuva no Jardim das Rosas, ao lado de Obama, o qual ditava todas as regras para a paz na Síria. Ali, Erdogan ouviu e nada disse. Mas logo depois, em conferência na Brookings, voltou ao seu normal, falou à vontade e atacou, como quis, no ponto mais sensível, que mais diretamente atinge os interesses dos EUA: insistiu que o Hamás tem de estar presente, como representante legítimo, em qualquer negociação de paz para o Oriente Médio.
Revelou que visitará Rússia e os países do Golfo, em breve, para conversações “para avaliar a situação por lá.” Erdogan voltou a reiterar sua intenção de visitar Gaza no mês que vem.
Erdogan não é o único que se sente desertado, abandonado. Os sauditas também estão lívidos.
O jornal governamental Asharq Al-Awsat atacou furiosamente a política dos EUA para a Síria, em editorial intitulado “Obama traidor”, assinado pelo editor-chefe da publicação, Eyad Abu Shakra.
Para o jornal, “Obama cedeu à interpretação dos russos (…) Washington conformou-se à realidade da permanência de Bashar Al-Assad no comando da Síria até o final de seu mandato presidencial, ano que vem, exatamente como Rússia e Irã desejavam.”
Os sauditas concluíram que estão “perdendo” a Síria e, na barganha, podem estar perdendo terreno também para o Hezbollah no Líbano. Significativamente, o ministro saudita de Relações Exteriores manteve reunião de longas duas horas, em Jeddah, com seu contraparte iraniano.
LINHA DIRETA
Segundo a rede israelense de notícias DEBKAfile, a reunião em Jeddah significa que os sauditas abriram uma linha direta com o Irã, dando as costas à iniciativa de Rússia-EUA para a Síria.
Seja como for, o Irã já anunciou a intenção de hospedar uma conferência de ministros e altos funcionários das Relações Exteriores de vários países, em Teerã, dia 29 de maio, para “definir um quadro para resolver a crise síria.” Não será surpresa se a Turquia e o Egito participarem. Os sauditas também? Talvez?
Enquanto isso, os países ‘amigos da Síria’ planejam reunir-se semana que vem na Jordânia,[6] para deliberar sobre a iniciativa de EUA-Rússia para conversações de paz. Essa reunião, se acontecer, será reunião ‘de arromba’: os ‘amigos da Síria’ constituíram-se para derrubar Bashar Al-Assad (e rapidamente). Agora, Obama já praticamente diz que Assad pode concorrer às eleições e ser parte de uma ‘Síria democrática’.
E A RÚSSIA?
A Rússia, como seria de prever, mantém os cruzados. Como escreveu Fyodor Lukyanov, analista estrategista que opera em Moscou, em coluna assinada para a agência oficial de notícias Novosti, a situação atual pode andar para qualquer lado: “momento crítico, quando os que pregam e os que atacam qualquer acordo negociado para a Síria estão, literalmente, um com a mão na garganta do outro.”
Mas Lukyanov sabe, e o Kremlin também sabe, que a Rússia está jogando rodada vencedora: a Rússia conseguiu abrir um buraco enorme, tão grande que por ali passa um elefante, na doutrina do intervencionismo ‘humanitário’.
De fato, no atual momento, o melhor que a Rússia pode fazer é garantir que qualquer aventureirismo ocidental para aumentar o atual nível de intervenção militar na Síria prove-se custoso e inaceitável.” Segundo despacho da Agência Reuters, não há dúvidas de que a Rússia está, sim, no jogo.
Concordo com Jeffrey Laurenti, da Century Foundation, que diz que Obama pode ter feito por merecer seu Prêmio Nobel, afinal, na Síria. Mas Obama não deve guardar para si todo o prêmio: bem poderia dar metade do prêmio a Vladimir Putin da Rússia. Questão de justiça.
30 de maio de 2013
MK Bhadrakumar (Indian Punchline)
(artigo enviado por Sergio Caldieri)
Nenhum comentário:
Postar um comentário