No Festival de Hay, Carl Bernstein fala sobre investigações do governo dos EUA a jornalistas
“Já são sete investigações por espionagem no governo Obama contra funcionários americanos por vazamento de informação à imprensa. É legal, mas nunca antes na História um presidente usou este recurso que, na prática, restringe o trabalho dos repórteres investigativos.” Estas duras declarações são de um ícone do jornalismo americano, Carl Bernstein, para sempre identificado com a revelação do escândalo Watergate e, na sequência, a derrubada do presidente Richard Nixon. Neste fim de semana, mais de 40 anos depois dos acontecimentos que mudaram a imprensa e os EUA, ele foi a estrela do Festival de Hay, o encontro literário que criou à sua imagem e semelhança a Flip em Paraty.
Muito maior que a festa brasileira - são dez dias de palestras, workshops e espetáculos - numa cidadezinha ainda menor e mais antiga do que a nossa vila colonial, Hay on Wye, o festival do País de Gales estava especialmente voltado para a discussão da mídia, uma preocupação ligada aos projetos de regulamentação dos meios de comunicação no Reino Unido, um longo processo iniciado com um outro escândalo, o grampeamento de telefones perpetrado por repórteres do “News of the World” à procura de furos de reportagem. “É o tema deste ano, a integridade e a autoridade que a mídia precisa ter”, diz o diretor do festival, Peter Florence, que se orgulha de ter cunhado o nome Flip.
Sob pressão nos EUA, na semana passada Obama declarou-se preocupado que esses processos desanimassem os jornalistas na sua tarefa de fiscalizar o governo e prometeu uma lei de proteção ao trabalho dos repórteres. Mas não pretende desmobilizar a enorme rede de investigações em arquivos de funcionários do governo e de jornalistas à caça de vazamento de informações. No seu eterno balançar entre as liberdades democráticas e as exigências de segurança, ele parece ter escolhido o muro.
“Nós já temos a Primeira Emenda para nos proteger. O problema é que esses processos estão intimidando as fontes”, disse Bernstein.
A cada furo jornalístico, centenas de funcionários do governo são investigados. O FBI entrevistou 500 pessoas e abriu dois meses de arquivos da Associated Press à procura da fonte de informação sobre a preparação de um atentado no Iêmen e de outras duas reportagens sobre terrorismo. Num processo ano passado, pediu à Casa Branca, ao Departamento de Defesa e a agências de inteligência senhas de e-mails e números de telefones à procura de conversas com um repórter do “New York Times” sobre ataques cibernéticos. Talvez o pior exemplo seja a investigação sobre as fontes do chefe do escritório de Washington da Fox News, James Rosen, que teve a sua conta de email no Google invadida e foi acusado de conspiração por ter publicado no site da televisão que a Coreia do Norte lançaria mísseis em represália à condenação dos seus testes nucleares, feitos pelos EUA na ONU. Em todos os casos, as empresas e os repórteres foram notificados só depois da quebra de sigilo, ao contrário do que manda a lei.
“As intimidações crescem. Semana passada, a al-Jazeera cedeu às pressões do lobby de Israel e tirou do site uma reportagem com críticas ao governo de Sharon. A BBC anda se autocensurando”, acusa Bernstein.
No Reino Unido, as relações entre mídia e fontes de informação também estão difíceis após o annus horribilis de 2012. O inquérito conduzido por Lord Levinson mandou para a cadeia dezenas de jornalistas e levou à demissão de dúzias de funcionários após revelações constrangedoras sobre relações nada republicanas entre mídia e poder. O relatório final de Levinson teve o apoio dos três partidos políticos e do comitê de vítimas do grampeamento de telefones à criação de uma carta real de princípios, monitorados por uma comissão independente. Esta regulação externa foi rejeitada por parte dos grupos de comunicação que apresentaram uma contraproposta. À espera de uma solução de compromisso, vive-se em clima de desconfiança e cautela.
“Já existem leis suficientes para punir jornalistas que infringem a lei. Grampear telefone é crime, e jornalistas que cometem crimes devem ir para a cadeia como qualquer outra pessoa. Os outros devem ser protegidos com uma lei no mesmo espírito da Primeira Emenda”, diz Bernstein.
Sem nostalgia, o jornalista acha que Watergate hoje teria um impacto muito menor na política e nos EUA, simplesmente porque as pessoas estão menos interessadas em grandes reportagens e mais voltadas a informações rápidas dadas pela internet e TV. “Mas jornalistas estão fazendo grandes reportagens de investigação em vários lugares do mundo”, diz.
30 de maio de 2013
Helena Celestino, O Globo
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