O caráter autoritário e hegemônico do governo K desorganiza a economia, destrói referências da população e esgarça o tecido social. O país se isola no contexto internacional
A trajetória de Néstor Kirchner na política argentina é sui generis. Elegeu-se governador da província de Santa Cruz, em 1991 (o primeiro de três mandatos consecutivos), por 2 mil votos. Em 2003, teve apenas 22% dos votos no primeiro turno das presidenciais e venceu porque o primeiro colocado, Carlos Menem, desistiu. Traumas sucessivos abalavam a Argentina: derrota na Guerra das Malvinas (1982), hiperinflação (1989) e desordem político-financeira (2001), que levou o país a ter cinco presidentes em 12 dias. Kirchner iniciou ali uma dinastia política que acaba de completar dez anos no poder.
Presidente de um país quebrado, Néstor teve sucesso nos primeiros anos, retomando um período de alto crescimento do PIB, de redução da inflação, de diminuição da pobreza — que alcançara 50% na crise —, de reformas sociais e de emulação dos direitos humanos. Mas a fórmula kirchnerista desandou, como tem mostrado O GLOBO na série “Liberdade amordaçada”, compartilhada com os jornais que integram o Grupo de Diários América (GDA).
O caráter autoritário e populista se manifestou já no governo de Néstor e se aprofundou no de Cristina. A Casa Rosada trabalha a todo vapor para obter a hegemonia sobre a vida do país. Uma das primeiras vítimas foi a imprensa, à qual resta aderir ao kirchnerismo e obter polpudas somas em publicidade oficial ou tentar se manter independente e sofrer ataques do governo, que luta, com obsessão, para calar especialmente o Grupo Clarín e o La Nación.
No mandato de Cristina, ampliaram-se as denúncias e os escândalos de corrupção. Em dez anos, o patrimônio declarado do casal cresceu 27 vezes. Vários amigos e colaboradores se tornaram milionários. E uma casta de empresários ligados ao poder se locupleta. O povo perdeu referências com a manipulação das estatísticas oficiais, como a da inflação, e padece com a política de dificultar ao máximo a compra de dólares, devido à falta de divisas. Perdeu-se a noção de valores relativos, pois os preços ou estão congelados ou sobem ao sabor de uma inflação que, em 2012, foi mais de duas o índice oficial de 10,8%. A economia se desorganiza. Um dos efeitos perversos é o isolamento da Argentina.
Devido à moratória de 2001, e as heterodoxias kirchneristas, o país não consegue empréstimos externos e fica à margem da formação de novos blocos de comércio, à exceção do Mercosul, cujas regras ele atropela. Neste, trabalha contra o principal parceiro, impondo barreiras aos produtos brasileiros. O saldo comercial do Brasil com a Argentina foi de US$ 1,5 bilhão em 2012, queda de 73% em relação a 2011. As empresas nacionais deixam o país — 150 nos últimos cinco anos.
Ao se aproximar mais do chavismo, anular valores de referência na economia, impor a verdade oficial via imprensa “amiga” e pairar acima de tudo e todos, o modelo K vai destruindo por dentro o tecido social argentino. O país caminha para grave crise institucional.
30 de maio de 2013
Editorial de O Globo
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