"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de julho de 2013

A GUERRA CONTRA OS DESEMPREGADOS




A vida anda fácil demais para os desempregados? Você talvez pense que não, e eu certamente não penso que esteja
Mas é nisso, notavelmente, que muitos –se não a maioria dos– republicanos dos Estados Unidos acreditam. 
E estão agindo com base no que acreditam: há um movimento nacional em curso para punir os desempregados, baseado na proposição de que podemos curar o desemprego causando ainda mais sofrimento aos desempregados.

Considere, por exemplo, o caso da Carolina do Norte. O Estado foi seriamente prejudicado pela Grande Recessão, e o índice de desemprego estadual, de 8,8%, está entre os mais altos do país, superando até o de Estados problemáticos como a Califórnia e o Michigan.

Como é o caso em toda parte, muitos desses desempregados estão sem trabalho há seis meses ou mais, graças a um ambiente nacional no qual existem três candidatos para cada vaga disponível. Mesmo assim, o governo estadual acaba de cortar ferozmente a assistência aos desempregados.

De fato, os republicanos que controlam o governo estavam tão ansiosos para cortar a assistência que não reduziram apenas a duração dos benefícios, mas também seu valor semanal médio, o que torna o Estado inelegível para assistência federal de US$ 700 milhões aos desempregados em longo prazo.

É um espetáculo notável, mas a Carolina do Norte não está sozinha. Diversos Estados reduziram seus benefícios-desemprego, ainda que nenhum outro a ponto de perder a assistência federal. O Congresso vem permitindo que a prorrogação dos prazos dos benefícios adotada durante a crise econômica expire, mesmo que o desemprego continue recorde. O que está acontecendo quanto a isso, portanto? Será só crueldade?

“APROVEITADORES”

Bem, o Partido Republicano, que acredita que 47% dos americanos sejam “aproveitadores” que exploram os criadores de empregos e que em muitos Estados nega assistência de saúde aos pobres só para contrariar o presidente Obama, não está exatamente repleto de compaixão.

Mas a guerra contra os desempregados não foi motivada apenas pela crueldade; em lugar disso, é uma convergência entre espírito mesquinho e má análise econômica. Em geral, os conservadores modernos acreditam que o caráter da nação esteja sendo solapado por programas sociais que, nas memoráveis palavras do deputado Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara, “transformam a rede de segurança em uma rede de varanda, que convence pessoas aptas a trabalhar a optarem em lugar disso por vidas de dependência e complacência”.

Mais especificamente, eles acreditam que o seguro desemprego encoraja os trabalhadores irresponsáveis a se manterem desempregados, em lugar de aceitarem os empregos disponíveis. Há justificativa para essa crença?
O valor do benefício-desemprego médio na Carolina do Norte é de US$ 299 por semana, antes dos impostos: que rede confortável. Assim, quem quer que imagine que os desempregados estejam deliberadamente optando por viver uma vida de lazer não faz ideia do que é experimentar o desemprego, especialmente o desemprego prolongado.

SELETIVIDADE

Ainda assim, há algumas indicações de que os benefícios-desemprego possam tornar os desempregados mais seletivos em sua busca de trabalho. 
Em momentos de expansão econômica, essa seletividade adicional pode elevar o índice de desemprego que serve de limiar para a inflação, o que induziria o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a elevar as taxas de juros e sufocar a expansão econômica.

Mas nada disso é relevante para nossa situação atual, na qual a inflação não preocupa e o problema do Fed é que não consegue baixar suficientemente os juros. Embora reduzir os benefícios-desemprego cause desespero ainda maior aos desempregados em sua busca por uma vaga, nada fará para criar mais empregos –o que significa que, mesmo que alguns desses desempregados consigam emprego, o farão tirando postos de trabalho de pessoas atualmente empregadas.

Mas espere –e quanto à oferta e procura? Causar desespero aos desempregados não criará pressão de baixa nos salários? E custos de mão de obra mais baixos não encorajarão a criação de emprego?

FALÁCIA

Não –essa é a falácia do efeito composto. Cortar o salário de um trabalhador pode salvar seu emprego, ao tornar seu trabalho mais barato do que o de trabalhadores concorrentes; mas cortar todos os salários só reduz a renda de todos –e agrava o problema do endividamento, uma das principais forças que pesam sobre a economia.

Oh, e não esqueçamos que reduzir os benefícios dos desempregados, muitos dos quais já estão vivendo precariamente, vai reduzir o consumo agregado –uma vez mais agravando a situação econômica e destruindo ainda mais empregos.

O movimento pelo corte dos benefícios aos desempregados, portanto, é tão contraproducente quanto cruel. Vai engrossar as fileiras dos desempregados e tornar suas vidas ainda mais desagradáveis. Há algo que possa ser feito para reverter esse curso político equivocado? As pessoas determinadas a punir os desempregados não se deixam dissuadir por argumentos racionais; acreditam naquilo que acreditam e não há prova capaz de mudar sua opinião.

Minha sensação, porém, é a de que a guerra contra os desempregados está fazendo tanto progresso porque vem acontecendo em surdina, e muita gente não está consciente do que vem ocorrendo. Bem, agora vocês sabem. E deveriam estar zangados por isso.

26 de julho de 2013
Paul Krugman (Folha)

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