Membros do Conselho Nacional de Saúde denunciam aparelhamento do órgão. Ex-presidente do CNS diz que, desde que Alexandre Padilha virou ministro, houve perda de autonomia
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão federal responsável pelo controle social do setor, está sob suspeita de aparelhamento político por parte do governo. Um ex-integrante do conselho e o atual representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no colegiado afirmaram que o governo tem controle sobre o CNS e que afeta sua autonomia ao não acatar suas decisões.
Presidente do CNS em duas gestões, o farmacêutico Francisco Batista Júnior, representante dos trabalhadores da Saúde, disse nesta quinta-feira que, desde que o ministro Alexandre Padilha assumiu o cargo, o Conselho passou a ficar nas mãos do governo.
— O Conselho Nacional de Saúde perdeu significativamente sua autonomia, seu papel. É uma clara subserviência ao governo — disse Batista. — O Padilha não respeita as suas resoluções. Por exemplo: o CNS, em duas ou três oportunidades, reiterou posição contrária à (criação da) Empresa Brasileira de Serviço Hospitalar (Ebserh, estatal responsável pelos hospitais universitários), Padilha desconsiderou.
Quando o CNS mostra independência e toma decisões que contrariam o governo, elas são ignoradas. Foi o que aconteceu, com a criação da Ebserh. O CNS se posicionou de forma contrária.
— Foi só uma posição política do Conselho. Tanto que a Ebserh está em amplo funcionamento — criticou o conselheiro Clovis Adalberto Boufleur, indicado pela CNBB.
Boufleur entende que, em alguns casos, há alinhamento de parte dos conselheiros com o governo. Mas o principal problema, na opinião dele, é outro. As próprias entidades com representação no CNS não dão muito valor ao Conselho, e fazem pouco para garantir que suas decisões sejam respeitadas. Segundo Boufleur, as decisões são frequentemente ignoradas pelo Ministério da Saúde, independentemente do titular da pasta. A exceção foi Agenor Álvares, que foi ministro por cerca de um ano, entre 2006 e 2007 — este, segundo Boufleur, costumava respeitar as decisões do CNS.
— Pela lei, (o CNS) é deliberativo. Mas, em várias situações, teve suas decisões relegadas ao esquecimento. Elas foram proteladas até cair no esquecimento. Em nenhum momento, (o Conselho) teve atuação mais drástica para que se cumprisse a lei. O Conselho decide e o Executivo segue conforme sua conveniência.
Outro crítico é o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira. Ele não é conselheiro, mas a Fenam era suplente do Conselho Federal de Medicina no CNS. Na semana passada, diante do racha entre entidades médicas e governo — provocado pelo programa Mais Médicos e pelos vetos presidenciais à lei do ato médico, que regulamenta o exercício da medicina —, a Fenam e o CFM se desligaram do conselho, e Ferreira saiu atirando, acusando o CNS de ser aparelhado e de estar a serviço do governo. Segundo ele, a maioria das entidades com assento no CNS é controlada por partidos ou movimentos simpáticos ao governo.
— Há uma força muito grande de forças governistas — disse Ferreira, que criticou a atual presidente do CNS, Maria do Socorro de Souza:
— As últimas palavras da presidente do Conselho fornecem algumas pistas de que está defendendo os interesses do governo. Como assim? Porque, quando o governo lançou o pacote (do Mais Médicos), e eu suponho que ela (Maria do Socorro) não tivesse conhecimento, ela não se preocupou em levar ao Conselho para discutir, ela não se preocupou em ouvir o que os médicos pensavam. Ela imediatamente caiu no colo do governo para aplaudir.
Maria do Socorro nega que haja alinhamento com o governo, mas reconhece as limitações de poder do CNS.
— O Conselho tem toda a autonomia de ter posição contrária. O ministro homologa ou não essa resolução. O que pode acontecer é o Conselho Nacional de Saúde, para fazer valer (sua posição), recorrer a uma ação ao Ministério Público — disse Maria do Socorro.
Segundo ela, a demanda por mais médicos é da sociedade e sempre foi defendida pelo Conselho. A ideia do serviço civil obrigatório para os profissionais da Saúde, em que eles teriam que trabalhar por algum tempo no SUS, é discutida há cinco anos pelos CNS.
— Eu não vou defender interesses contrários à população — afirmou a presidente do Conselho, concluindo: — No controle social, o foco é defender o direito dos usuários do SUS.
A existência do debate em torno do serviço social obrigatório foi confirmada por Clovis Boufleur. Maria do Socorro representa a Contag, uma confederação aliada ao governo do PT desde o governo Lula, e ganhou a eleição com o apoio do ministro Alexandre Padilha. Ela derrotou Clovis Boufleur em uma eleição acirrada.
Um órgão com 48 titulares
O CNS é um órgão com pouco poder, cujas decisões o governo pode ignorar e passar por cima como bem entender. É uma das maiores mesas de discussão da Esplanada, com 48 titulares e dois suplentes para cada um, e é assim dividido: 50% de vagas para os movimentos sociais de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), 25% de trabalhadores, 25% de prestadores de serviços e gestores.
Há de tudo um pouco no órgão: centrais sindicais (Força Sindical, CUT, CGTB), governo, União Nacional dos Estudantes (UNE), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entidade indígena, entidades negras, de lésbicas, além das que representam os profissionais de Saúde, como os conselhos federais de Odontologia (CFO) e Psicologia (CFP). Há ainda associações de nutrição, de vítimas de hepatites virais, de autismo, associações renais e transplantados, de ostomizados, organização dos cegos, celíacos, entre outras.
Um caso de aparelhamento apontado por alguns integrantes do Conselho se dá na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao CNS. Ela foi criada para ser uma instância colegiada, de natureza consultiva, tendo por atribuição o exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos. Como mais importante comissão do CNS, sempre esteve sob a coordenação dos representantes da comunidade científica. Mas, recentemente, foi parar no colo de um sindicalista: Jorge Almeida Venâncio, da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGBT), um absoluto estranho no ninho.
O GLOBO pediu um posicionamento do Ministério da Saúde sobre o caso, mas não obteve retorno até o fechamento da edição.
26 de julho de 2013
André de Souza e Evandro Éboli - O Globo
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