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Se for para desaparecer com o Estado em favor de um sistema competitivo de fornecedores de segurança, então surge a questão: quem vai proteger a sociedade do mercado armado? Essa é uma questão a qual Hoppe não trata.
Os apreciadores das obras de Ludwig von Mises podem também gostar de ler o livro Democracy: The God that Failed, de Hans-Hermann Hoppe. Ele é um distinto membro do Instituto Ludwig von Mises, teórico do liberalismo e economista que segue a linha de pensamento da escola austríaca. Ele também se preocupa com o fato de a democracia estar destruindo a liberdade e a civilização. Para Hoppe, a liberdade econômica e os direitos de propriedade são essenciais para a preservação de uma ordem civilizada. Hoppe explicou sua ideia:
“O processo de civilização é posto em movimento quando o indivíduo economiza, investe e acumula bens de consumo duráveis e bens capitais...”. A estagnação e o declínio, segundo ele, “podem ser ocasionados apenas se as violações dos direitos de propriedade tornarem-se institucionalizadas...”
Hoppe argumenta que a democracia hodierna está institucionalizando progressivamente as violações dos direitos de propriedade. Com efeito, ele diz que a democracia é pior que a monarquia a esse respeito, pois se “o governo é possuído privadamente (sob o governo monárquico), a estrutura de incentivos que se apresenta ao governante é tal, que é do seu próprio interesse ser relativamente previdente e empenhar-se apenas moderadamente nas guerras e nos impostos”.
Sob um governo que é “possuído publicamente”, todavia, os incentivos são diferentes. De acordo com Hoppe, “acerca dos efeitos incivilizatórios do governo (democrático), espera-se que ele cresça e fique forte o bastante para na verdade cessar o processo civilizatório, ou mesmo que ele altere sua direção e traga a tendência oposta, que é o caminho da incivilização: consumo de capital, encolhimento dos horizontes de planejamento e de provisões e progressiva infantilização e brutalização da vida social”.
Deste modo, a transição da monarquia para a democracia, diz Hoppe, “representa não o progresso, mas uma decadência civilizacional”. A democracia, na verdade, abre uma gigantesca via para a violação dos direitos de propriedade e para a interferência estatal que seria impensável em uma monarquia, esta que por sua vez tem um senso mais limitado de poder sobre a sociedade.
Com efeito, há um tipo de relativismo na democracia em que o voto da maioria sempre ameaça o mercado. Com o advento dos grupos de pressão política, o aumento nos gastos para o bem-estar é inevitável. O aumento das regulamentações é um processo contínuo, assim como o encorajamento de uma classe permanentemente indigente. A falência do processo, portanto, já está embutida. O eventual colapso da civilização, seja súbito ou gradual, é garantido.
Como a civilização e o mercado podem ser salvos? “Acima de tudo”, diz Hoppe, “a ideia de democracia e maioria devem ser deslegitimadas”. Na verdade, argumenta ele, a esmagadora maioria na Europa aceitou a monarquia como legítima há cem anos. Apenas porque a democracia é legítima nos dias de hoje, não devemos presumir que ela sempre será.
Devemos, diz ele, postular uma ideia de ordem natural pela qual um sistema melhor e mais legítimo possa emergir. Quais devem ser as bases desse sistema? Segundo Hoppe, a civilização é fundada no “direito de propriedade e a produção e troca voluntárias de bens...”. Para sustentar uma civilização, deve existir aquilo que ele chama de nobilitas naturalis (isto é, uma elite natural voluntariamente reconhecida).
“O desfecho natural das transações voluntárias de propriedade entre vários proprietários particulares é decididamente não igualitário, hierárquico e elitista”, explicou Hoppe. “Devido às conquistas e realizações mais elevadas [...] alguns indivíduos passam a possuir uma ‘autoridade natural’ e suas opiniões e juízos gozam de difundido respeito”.
Por conta da confluência seletiva de membros que tipicamente ocorre entre as famílias da elite, os patriarcas dessas famílias “agiriam naturalmente como juízes e pacificadores [...] providos de um senso de obrigação requerido e esperado de uma pessoa de autoridade, além de uma preocupação com os princípios da justiça civil...”.
Eis as origens da monarquia. De acordo com Hoppe, “o pequeno – embora decisivo – passo na transição para um governo monárquico [...] consistiu precisamente na monopolização das funções de juízes e pacificadores. O passo foi dado assim que um membro da elite natural voluntariamente reconhecida [...] insistiu [...] para que todos os conflitos dentro de um território específico fossem trazidos para ele”. Assim, o monopólio monárquico varreu para longe o sistema pré-monárquico baseando na “ordem natural das jurisdições competidoras”.
Como não é possível voltar para a monarquia (que também não é lá muito perfeita) e a democracia está roendo a civilização mordida por mordida, Hoppe pensa que a resposta pode ser encontrada em um retorno à ‘autoridade natural’ exercida por meio do “suporte ideológico” contra a descentralização e até mesmo contra “forças sociais separatistas”.
O erro fundamental do liberalismo, diz Hoppe, é o fracasso em reconhecer que “todo governo é destrutivo naquilo que ele quer preservar, e que a proteção e a produção de segurança podem ser empreendidas corretamente apenas por um sistema competitivo de fornecedores de segurança”. Em outras palavras, a anarquia da propriedade privada (conforme advogado por Murray Rothbard).
Se for para desaparecer com o Estado em favor de um sistema competitivo de fornecedores de segurança, então surge a questão: quem vai proteger a sociedade do mercado armado? Essa é uma questão a qual Hoppe não trata. Sem dúvida ele está correto sobre a democracia e a decadência, mas sua solução não é fácil de aplicar. A história ensina algumas lições, e uma que é ensinada repetidas vezes é que a balcanização política é perigosa.
Ao invés de contribuir para a paz, ela tende a contribuir para o conflito. Enquanto muitos criticaram os estados-nação como formações que prejudicaram a atividade mercantil por meio de guerras mundiais e conflitos menores, a era dos pequenos principados talvez tenha sido menos pacífica, com obstáculos maiores aos negócios e ao comércio.
Contudo, o argumento apresentado por Hoppe talvez seja irrespondível. O estado tem uma tendência a se tornar cada vez mais centralizado e cada vez mais controlador. O mercado está cada vez mais restringido. Nada ainda conseguiu reverter esse caminho rumo ao socialismo.
A civilização está cada vez mais fraca. Tateamos na escuridão em busca de soluções. Se a solução de Hoppe não estiver correta, ele pelo menos identificou nosso problema. Como sairemos da camisa-de-força do estado de bem-estar socialista? Uma reforma ainda é possível? O sistema pode corrigir-se em tempo? Os direitos de propriedade podem ser preservados?
Ah, se soubéssemos as respostas...
26 de julho de 2013
Jeffrey Nyquist
Publicado no Financial Sense.
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