"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de julho de 2013

REPETINDO, PARA NÃO CAIR NO ESQUECIMENTO...


No já histórico junho de 2013, as ruas foram ocupadas pelos cidadãos. Foi um grito contra tudo que está aí. Contra os corruptos, contra os gastos abusivos da Copa do Mundo, contra a impunidade, contra a péssima gestão dos serviços públicos, contra a violência, contra os partidos políticos.

Dois poderes acabaram concentrando a indignação popular: o Executivo e o Legislativo. Contudo, o Judiciário deve ser acrescido às vinhas da ira.
Neste mesmo espaço, em 13 de dezembro de 2011, escrevi um artigo (“Triste Judiciário“) tratando do Superior Tribunal de Justiça, o autointitulado tribunal da cidadania.

Um ano e meio depois resolvi consultar o site do tribunal para ver se tinha ocorrido alguma modificação nas mazelas que apontei. Para minha surpresa, tudo continua absolutamente igual ou, em alguns casos, pior.

Busquei inicialmente o número de cargos. Vi uma boa notícia. Eram 2.741 em 2012 e em 2013 tinha diminuído para…. 2.740. Um funcionário a menos pode não ser nada, mas já é um avanço para os padrões brasileiros. Porém, ao consultar as funções de confiança, observei que nos mesmos anos tinham saltado de 1.448 para 1.517.

Fui pesquisar a folha dos funcionários terceirizados. São 98 páginas. Mais de 1.550 funcionários! E tem de tudo um pouco. São 33 garçons e 56 copeiras. Afinal, suas excelências têm um trabalho desgastante e precisam repor as energias. No STJ ninguém gosta de escadas. É a mais pura verdade. São 34 ascensoristas: haja elevadores! 

Só de vigilantes ─ terceirizados, registre-se ─ são 264. Por ironia, a empresa contratada chama-se Esparta. E se somarmos os terceirizados mais os efetivos, teremos muito mais dos que os 300 espartanos que acompanharam Leônidas até as Termópilas, longe, evidentemente, de comparar suas excelências com o heroísmo dos lacedemônios.

Resolvi consultar a folha de pagamentos de junho. Fiquei só na letra A. Não por preguiça. É que preciso trabalhar para pagar os impostos que sustentam os salários das suas excelências.

Será que o tribunal foi isento da aplicação do teto constitucional? Dos cinco ministros que abrem a lista, todos recebem salários acima do que é permitido legalmente.
Vamos aos números: Antonio Carlos Ferreira recebeu R$ 59.006,92; Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, R$ 36.251,77; Ari Pargendler, R$ 39.251,77; Arnaldo Esteves Lima, R$ 39.183,96; e Assusete Dumont Reis Magalhães, R$ 39.183,96. Da lista completa dos ministros, a bem da verdade, o recordista em junho é José de Castro Meira com o módico salário de R$ 63.520,10. Os ministros aposentados também recebem acima do teto. Paulo Medina, que foi aposentado em meio a acusações gravíssimas, recebeu R$ 29.472,49.

O STJ revogou o artigo 5º da Constituição? Ou alterou a redação para: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, exceto os ministros do STJ”?
O tribunal é pródigo, com o nosso dinheiro, claro. Através do que chama de aviso de desfazimento, faz doações. Só em 2013 foram doados dezenas de veículos supostamente em estado “antieconômico.” Assim como refrigeradores, mobiliário, televisores e material de informática. É o STJ da felicidade. Também, numerário não falta. Para 2013 o orçamento é de 1 bilhão de reais.

E estamos falando apenas de um tribunal. Só para pagamento de pessoal e de encargos sociais estão alocados 700 milhões. Sempre pródiga, a direção do STJ reservou para a contribuição patronal da seguridade social dos seus servidores a módica quantia de 100 milhões (mais que necessário, pois há servidores inativos recebendo R$ 28.000,00, e pensionistas com R$ 35.000,00).

O tribunal tem 166 veículos (dos quais 20 são ônibus). Por que tantos veículos? São necessários para o trabalho dos ministros? Os gastos nababescos são uma triste característica do STJ. Só de auxílio-alimentação serão destinados R$ 24.360.000,00; para assistência médica aos ministros e servidores foram previstos R$ 75.797.360,00; e à assistência pré-escolar foram alocados R$ 4.604.688,00. À simples implantação de um sistema de informação jurisdicional foi destinada a fabulosa quantia de R$ 22.054.920,00. E, suprema ironia, para comunicação e divulgação institucional, o STJ vai destinar este ano R$ 14.540.000,00.

A máquina do tribunal tem de funcionar. E comprar. Em um edital (e só consultei os meses de junho e julho) foram adquiridos 1.224 copos. Noutro, por R$ 11.489,00, foi contratada uma empresa de eventos musicais. Estranhamente foram adquiridos 180 blocos para receituário médico, 50 blocos para ficha odontológica e 60 pacotes ─ cada um com 100 unidades ─ de papel grau cirúrgico (é um tribunal ou um hospital?).

É difícil entender a aquisição de 115 luminárias de uma só vez, a menos que o prédio do tribunal estivesse às escuras. Pensando na limpeza dos veículos foram adquiridas em julho 70 latas de cera para polimento. Tapetes personalizados (o que é um tapete personalizado?) custaram R$ 10.715,00 e de uma vez compraram 31 estiletes.

Não entendi, sinceramente, a razão de adquirir 3.360 frascos de 1.000 ml cada de álcool. E o cronômetro digital a R$ 1.690,00? Mas, como ninguém é de ferro, foi contratada para prestar serviço ao STJ a International Stress Manegement Association.
Mas, leitor, fique tranquilo. O STJ tem “gestão estratégica”. De acordo com o site, o tribunal “concentra esforços na otimização dos processos de trabalho e na gestão da qualidade, como práticas voltadas à melhoria da performance institucional e consequentemente satisfação da sociedade”.
Satisfação da sociedade? Estão de brincadeira.

26 de julho de 2013
Marco Antônio Villa é Historiador e Professor da Universidade Federal de São Carlos. Originalmente publicado em O Globo em 23 de Julho de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário