O recente artigo do jovem cineasta Fernando Grostein Andrade, 32, na “Folha de S.Paulo”, e, agora, a visita do papa Francisco ao Brasil me fizeram refletir mais um pouco sobre o momento complexo e difícil por que passa nosso país atualmente. (Fernando é autor dos documentários “Coração Vagabundo” e “Quebrando o Tabu”).
Fernando iniciou o artigo dizendo que nunca conseguiu se identificar com os conceitos de direita e esquerda: “Como defender um Estado que não dá proteção social a quem nasce em condições injustas? E como defender um Estado inchado, ineficiente e cheio de privilégios?”.
E acrescenta, logo a seguir:
“Da mesma forma, não consigo entender quem qualifica o PSDB ou o PT como o câncer ou a salvação do Brasil. Como não reconhecer os grandes avanços que ambos os partidos promoveram sem deixar de apontar as suas graves falhas?”.
O jovem cineasta soube exprimir, com exatidão, o que reivindicam hoje os milhares de jovens que foram às ruas no mês passado em todo o país. Eles não estão preocupados com nenhuma ideologia, seja de direita, seja de esquerda, responsável, na realidade, pelo aprisionamento da alma e da inteligência. Por isso é que fizeram ecoar pelos céus do Brasil um grito sincero, quase de raiva, contra tudo o que está aí.
Democraticamente, pediram educação de qualidade para todos (pobres, remediados ou ricos), saúde pública decente, mobilidade urbana (ou liberdade de ir e vir), transporte público satisfatório, combate à corrupção, aplicação responsável do dinheiro público, punição ao crime e à violência etc. Exigiram, enfim, que se transformem em bons serviços os pesados impostos que os brasileiros pagam, direta ou indiretamente.
A presidente Dilma Rousseff, querendo se aproveitar das últimas manifestações, mesmo sem ser provocada, respondeu mal à pergunta do cineasta no infeliz discurso político-partidário que pronunciou anteontem, no Palácio Guanabara, na presença do papa Francisco.
É verdade que ela o recebeu com um sorriso de alegria estampado no rosto, mas, ao discursar, depois de dizer que é uma honra para o povo brasileiro recebê-lo, traiu-se ou foi obrigada a trair-se e, finalmente, demonstrou que até agora não entendeu nada do que pretenderam as mencionadas manifestações de rua.
Apenas querendo tirar partido político-eleitoral de tão honrosa visita, a presidente afirmou, como se já estivesse no palanque eleitoral, que o Brasil se orgulha de ter alcançado extraordinários resultados, nos últimos dez anos (referindo-se ao seu governo e ao de Lula), na redução da pobreza.
Depois, dirigindo-se ao papa e tentando explicar o que até agora não entendeu, concluiu: “Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão social provoca cobrança de mais inclusão social. Qualidade de vida desperta anseios por mais qualidade de vida. Fizemos muito e sabemos que há muito a ser feito. Para nós, os avanços que conquistamos são só o começo”.
Um discurso inadequado e, valendo-me de expressão do gosto da presidente, realmente grotesco. O bom é que o papa soube lhe mostrar o que, ao que parece, ainda não soube assimilar: “Aprendi – disse ele – que, para se ter acesso ao povo brasileiro, é preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração.
Por isso, permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente nessa porta. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo”.
Será que, afinal, a presidente aprendeu?
26 de julho de 2013
Acílio Lara Resende (O Tempo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário