Caminhoneiros bloqueiam rodovias em seis estados — três delas em São Paulo. É certo que as reivindicações fazem ao menos sentido. Algumas delas, quem sabe todas!, são até justas. Mas o caminho mais curto, sem trocadilho, é bloquear as estradas? “Ah, se não for assim, ninguém nos ouve!” Bem, meus caros, então estamos no pior dos mundos. Imaginem se cada um, agora, for impor a sua vontade na marra.
O Brasil é um celeiro de politcólogos, não é? Nunca antes na história destepaiz houve tantos especialistas na crise da democracia representativa, dos partidos políticos, dos políticos, da casa-da-mãe-Joana — ou da-mãe-Dilmona… Sou um pouquinho mais simples nessas coisas. Entendo que se investe na bagunça sempre que se criminaliza a ação das forças da ordem. “De qual ordem? Da ordem autoritária, fascista?”
Não! Isso é conversa de aloprados. Eu me refiro à ordem democrática, o único regime em que nem tudo é possível porque nem tudo é justificável. Nas tiranias, tudo pode acontecer, seja para derrubar o regime, seja para sustentá-lo.
Um ataque que poderia ser chamado “de resistência” num regime tirano mereceria, no mais das vezes, a designação de “terrorismo” numa ordem democrática. A questão, em suma, é indagar: com quais valores estamos lidando?
Há três ou quatro dias, os portugueses foram às ruas para protestar contra o governo, a crise, o desemprego, a falta de perspectivas etc. O roteiro do protesto foi previamente comunicado à polícia — e não porque questões sociais, naquele país, sejam matéria policial. É que, nas democracias, cabe a alguns a desagradável tarefa de dizer “não”.
A maioria, como sempre, fez a coisa certa. Mas um grupo tentou fechar uma autoestrada. Foi reprimido pela polícia, os autores foram identificados e processados pelo estado. Em duas semanas, a Justiça expedirá uma sentença. PORTUGAL E OS PORTUGUESES QUEREM SAIR DA CRISE. MAS PORTUGAL E OS PORTUGUESES NÃO QUEREM CAIR NA ANARQUIA.
Os que hoje justificam — à esquerda, à direita e ao centro — as interdições destrambelhadas de ruas, prédios públicos e estradas afirmando que “o povo acordou” apenas fazem má poesia. Acordou de quê? O Brasil, por acaso, dormia? Não me parece. Estávamos sob o domínio de alguma força estranha, de algum ente maligno, de alguma estranha potestade? Ora…
“Esse Reinaldo não percebe que isso tudo é contra o PT…” Caras e caros, não me interessa o triunfo de métodos petistas ainda que contra o petismo. De resto, o partido não é o único a sofrer as consequências desses dias meio destrambelhados. Eu reitero: é a democracia representativa que está sob ataque. Os brasileiros têm milhares de motivos para protestar e para cobrar providências das autoridades. Mas têm outros tantos milhares para preservar a ordem democrática — porque, afinal de contas, nós avançamos com ela.
Eu não me sinto em meio a um processo de insurreição revolucionária. As condições para isso não estão dadas — e não creio que se darão. Posso achar encantador que se tenha quebrado certo encanto com o petismo e coisa e tal, mas quero de volta o direito de ir e vir. Sem ele, estaremos sob a pior de todas as ditaduras, que é a desordem.
Sim, há pessoas ditas “libertárias”, que se querem ultraliberais em economia, que estão encantadíssimas com o espírito das ruas. Também os ultraesquerdistas Vladimir Safatle e Marilena Chaui aplaudem algumas ações. Todos esperam, no fim das contas, se apropriar dessa narrativa para acenar com um futuro, escrever o presente a seu gosto e reescrever o passado. Dia desses, Pedro Abramovay — ex-secretário nacional de Justiça, petista de carteirinha que posa de independente, chefão no Brasil do site multinacional de petições Avaaz —, também aplaudia esse novo momento de uma suposta democracia direta, sem mediação.
No site que ele comanda, só permanecem as petições que contam com o apoio da direção. “E no seu blog, Reinaldo? Os comentários que você considera inconvenientes são cortados…” São! Que fique claro: corto as ofensas e o petralhismo organizado. Há muita gente que discorda de mim e que colabora regularmente. Mas que se note: eu não apresento o meu blog como uma alternativa à democracia representativa. Eu escrevo sobre política, mas não tenho a ambição de substituir os políticos.
Ocupar estradas, ruas, prédios públicos, sem dar aos outros a chance de decidir se querem ou não participar de um protesto, por mais justo que ele seja, não atende aos fundamentos da democracia. E, portanto, tal ação jamais contará com o meu endosso.
A lei tem de prevalecer nesses casos porque é ela o dado permanente contra as variações de humor e de percepção da massa. Convenham: Dilma não fez nenhuma grande bobagem adicional, além das que já vinha fazendo, para que, em três semanas, a aprovação a seu governo caísse de 57% para 30%. As pessoas não estavam proibidas de dizer o que achavam, certo?
Há três semanas, o governador Geraldo Alckmin fazia uma gestão ótima ou boa para 52% dos paulistas — agora, 40% dizem isso. O que mudou? “Ah, mudou o sentimento! O brasileiro ficou mais exigente!”
Em 21 dias? Tudo isso, claro, tem de ser devidamente pensado e coisa e tal. Uma coisa é certa: sem o concurso da lei para que direitos sejam preservados — de sorte que outros possam ser reivindicados —, não vamos muito longe.
A chance de que a resposta acabe sendo pior do que as variáveis que resultaram na equação é gigantesca.
A ordem democrática tem de ser restaurada para que a mobilização tenha um desdobramento virtuoso.
01 de julho de 2013
Reinaldo Azevedo
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