"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 10 de agosto de 2013

CÂMARA PODE CRIAR A (INCRÍVEL) FIGURA DO DEPUTADO ENCARCERADO NO BRASIL

Saiba quem são os parlamentares que compõem a vergonhosa galeria de cassados por desvios de conduta desde o fim da ditadura militar. E quem são os cinco deputados que deveriam integrar - logo - essa lista
 

Montagem dos deputados João Paulo Cunha, José Genoino, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry
QUARTETO MENSALEIRO - Os deputados João Paulo Cunha, José Genoino, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, todos condenados pela Justiça, mas com gabinetes na Câmara (Dida Sampaio/Dorivan Marinho/Vagner Campos/Lindomar Cruz )

Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) inovou ao rever sua posição sobre parlamentares condenados pela prática de crimes. Por seis votos a quatro, a Corte decidiu que caberá ao Legislativo deliberar pela cassação ou não dos políticos sentenciados pela Justiça. No extremo, o Brasil poderá se tornar um caso raro no qual deputados ou senadores poderão exercer seus mandatos durante o dia e dormir na cadeia.
 
Até o final do ano, é provável que a Câmara dos Deputados analise ao menos cinco processos de cassação de mandatos de deputados condenados pela Justiça. O primeiro da fila, inclusive, o ex-peemedebista Natan Donadon (RO), já cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Condenado por desviar 8 milhões de reais dos cofres da Assembleia Legislativa de Rondônia, Donadon se entregou à Polícia Federal no final de julho, mas uma placa ainda aponta como seu o gabinete 239 no Anexo IV da Câmara. Ele perdeu o direito ao salário, aos benefícios e assessores, mas, juridicamente, ainda é um parlamentar eleito pelo estado de Rondônia. A manutenção do mandato garante algumas (poucas) regalias para Donadon: ele permanece em uma cela isolada no presídio, sem convívio com os demais detentos.
 
Na sequência, a tendência é que a Câmara tenha de deliberar sobre o futuro do quarteto de mensaleiros: João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Durante o julgamento do mensalão, o STF votou pela perda imediata dos mandatos. Mas, com a recente virada no posicionamento da Corte graças aos votos dos ministros novatos Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, esse cenário pode mudar: caberá, agora, aos deputados decidirem sobre os mandatos dos quatro mensaleiros.
Ou seja, dado o histórico de corporativismo e complacência com desvios éticos, tudo pode acontecer.
 
O último parlamentar que perdeu o mandato na Câmara foi em 2006. O ex-presidente do PP Pedro Corrêa (PE), que comandava o partido quando o mensalão operava a todo vapor, deixou o Congresso pelas portas dos fundos junto com José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ).
Desde então, foram abertos 89 processos de cassação de mandatos no Conselho de Ética. Todos os congressistas saíram ilesos. O maior exemplo da blindagem dos parlamentares aconteceu em 2006, na chamada Máfia dos Sanguessugas: 69 deputados envolvidos no esquema de desvio de verba pública para compra de ambulâncias escaparam de punições - a maioria foi poupada em plenário e, alguns, optaram por renunciar aos mandatos e poder disputar as eleições seguintes.

No Senado, só dois cassados

O Senado, que por muitas décadas manteve uma imagem mais positiva do que a Câmara, passou a lidar com escândalos políticos rotineiros nos anos 2000. O primeiro parlamentar cassado pela Casa foi Luiz Estevão (PMDB-DF). Perdeu o mandato quando veio à tona sua participação no desvio milionário nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, em 1999.
Em 2001, dois senadores tiveram de renunciar para não perderem o mandato: José Roberto Arruda (então no PSDB) e o baiano Antônio Carlos Magalhães (PFL). Eles haviam participado da quebra do sigilo do painel eletrônico que registra as votações do Senado. No mesmo ano, Jader Barbalho (PMDB-PA) renunciou para não ser punido, após ser flagrado envolvido no desvio de verbas da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Em 2011, foi a vez de Demóstenes Torres (DEM-GO) perder o mandato por cassação. Ele foi flagrado mantendo conversas e negociações nada republicanas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Muitos outros casos surgiram sem que os acusados perdessem o cargo - José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) sabem disso muito bem. Na última semana, o STF credenciou mais um candidato à cassação: Ivo Cassol (PP-RO), condenado pelo Supremo a quatro anos e oito meses de prisão. A perda do mandato será avaliada pelos senadores.


O atual presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PSD-SP), diz que o voto secreto em plenário é o principal culpado pelas absolvições em massa: "Enquanto não se adotar o voto aberto na Casa, vão continuar esses números ruins".
 
Outro exemplo recente de parlamentar absolvida em flagrante cena de corrupção foi a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz. Ela aparece em um vídeo recebendo 50 mil reais de Durval Barbosa, delator do chamado mensalão do DEM. Por entenderem que o episódio aconteceu antes de assumir o mandato na Câmara – a cassação foi analisada em 2011 e a gravação havia sido feita em 2006 -, Jaqueline foi absolvida por seus colegas.
 
Também foi absolvido pelo plenário o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). Em 2005, os deputados o consideraram inocente na denúncia de que havia recebido 50 mil reais do operador do mensalão, Marcos Valério. Sete anos depois, o STF o condenou a nove anos e quatro meses de prisão. Provavelmente, Cunha voltará a ser julgado em plenário.

Os 17 cassados – Desde a redemocratização do país, apenas 17 parlamentares tiveram a degola aprovada em plenário. O caso mais emblemático aconteceu em 1994, em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. A CPI dos Anões do Orçamento, nome dado em alusão à estatura dos parlamentares envolvidos, descobriu um esquema de desvio de recursos do Orçamento da União para empresas relacionadas a deputados, senadores, ministros e governadores. Seis deputados envolvidos no caso foram cassados.
 
Outra cassação que não poderia passar impune foi a de Hildebrando Pascoal (PFL-AC). O parlamentar foi apontado como o comandante de um grupo de extermínio responsável pela morte de mais de sessenta pessoas. Não apenas a quantidade de assassinatos espanta. Em um dos casos que revelam o nível crueldade com o qual agia, ele ganhou o apelido de Homem da Motoserra – uma referência à arma utilizada no crime. Hildebrando foi condenado a mais de cem anos de cadeia.
 
O ex-deputado Sérgio Naya também se destaca na lista de parlamentares cassados. Ele perdeu o mandato em 1998, depois que parte do edifício Palace II, construído por uma de suas empresas na capital fluminense, desabou. Oito pessoas morreram e a tragédia poderia ter sido maior - um segundo desmoronamento ocorreu quando o prédio já havia sido evacuado. As investigações mostraram erros grosseiros na execução da obra. O concreto empregado, provavelmente produzido com areia de praia, se esfarelava facilmente. Naya foi cassado pelos colegas por um placar de 277 votos a 163.

Os deputados cassados desde a redemocratização

Pedro Corrêa (PP-PE) - 2006


 
O parlamentar pernambucano foi um dos três deputados cassados por participação no escândalo do mensalão. Ficou provado que ele ordenou que um assessor sacasse 700.000 depositados pelo publicitário Marcos Valério. Corrêa, que era presidente do partido, embolsou o dinheiro após prometer apoio ao governo Lula. Em 2012, o ex-deputado acabou condenado à prisão pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda não começou a cumprir a pena.
 
10 de agosto de 2013
Marcela Mattos e Gabriel Castro, Veja

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