"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 10 de agosto de 2013

"TEMO QUE O POVO SEJA TRAÍDO" - ZÉLIO ALVES PINTO, JORNALISTA, ARTISTA GRÁFICO E PINTOR

 

Zélio Alves Pinto


Nascido na cidade mineira de Caratinga, o pintor, jornalista, artista gráfico, escritor, caricaturista e ilustrador Zélio Alves Pinto, é um dos fundadores do mítico jornal ‘O Pasquim’, do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, do Salão Internacional de Humor Gráfico das Cataratas do Iguaçu.

Como autor literário, coordenou a edição de alguns livros, como Cadernos Paulistas, História e Personagens, Bayer, Noventa Anos de Brasil, O Humor no Brasil de Hoje e Vinte Anos Pagando o Pato; e escreveu as ficções Sem Sahida, O Navegador e o Príncipe, O Homem dentro do Poste.

Como artista gráfico e jornalista promoveu a reforma editorial e gráfica em diversos jornais e revistas no país e nos anos 1970 enquanto promovia a reforma gráfica na Folha de S.Paulo e produzia programas na TV Cultura (‘A Arte de Fazer Rir’ e ‘Cultura em Questão’), coordernou a edição do Salão Mackenzie de Cartum e Quadrinhos e a criação do Salão Internacional de Humor de Piracicaba que se prepara para comemorar sua 40ª edição.

Foi diretor dos Museus do Estado de São Paulo onde criou o Sistema Estadual de Museus e traçou a política estadual para as instituições oficiais. Coordenou a construção da sede do Arquivo do Estado e atuou como secretário adjunto de Cultura no Estado de São Paulo.

O crítico e pesquisador Enock Sacramento lançou em 2010 o livro “Zélio: 50 Anos de uma Aventura Visual” onde recupera a carreira do artista e jornalista desde seus tempos, nos anos sessenta em Minas, até os dias atuais reproduzindo cerca de 500 imagens criadas pelo artista em sua carreira.
No começo desse ano, Zélio, seu irmão Ziraldo e mais 9 pessoas foram condenados por improbidade administrativa na realização, em 2003, do primeiro Festival Internacional do Humor Gráfico das Cataratas do Iguaçu (Festhumor) e no Fantur – Iguassu dê uma volta por aqui, em ação movida em 2006 pelo Ministério Público Federal.
A ação relata que o dinheiro público municipal e federal foi mal utilizado porque, segundo a sentença, para o primeiro Festhumor, houve contratações sem licitação e pagamentos em duplicidade, que corresponde a remuneração dupla pelo serviço prestado uma vez.

O processo relata ainda desvio de verba no Fantur, que foi uma ação promovida pela Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu para levar jornalistas e cartunistas para cidade, com todas as despesas custeadas pela prefeitura.
O advogado do cartunista está recorrendo dessa decisão que na visão do mesmo, é um grave equívoco. Nessa entrevista, o artista fala sobre vários momentos da sua vida e de sua carreira, como o incêndio que destruiu boa parte de seu trabalho em 1989 em Nova York e que o fez ter ainda mais força para continuar ou como bem diz, se sentiu livre. Leia agora com exclusividade no portal Panorama Mercantil.
 
Panorama Mercantil-O senhor é pintor, jornalista, artista gráfico, escritor, caricaturista e ilustrador . Como é a interligação de todas as suas atividades, queremos dizer, como é passar a sua mensagem em cada uma delas e mesmo assim deixar uma marca que é só sua para aquele que aprecia o seu trabalho?

Zélio Alves Pinto-O fato de eu exercer várias atividades, e de essas serem primas umas das outras, facilita na unidade de linguagem e nos objetivos. Fossem diversas e antagônicas ou desparentadas seria uma dificuldade a mais. Mas sendo como são, ao contrário, facilitam e ampliam minhas possibilidades de atingir os objetivos.
 
Panorama-Sempre fazemos uma pergunta para todos os entrevistados qua fazem parte das múltiplas formas de arte, e sempre temos respostas completamente diferentes. Também faremos a mesma para o senhor: Em sua visão, a arte deve ser sempre social?

Pinto-Creio que toda atividade humana tem compromisso social de dentro pra fora, principalmente nos dias que correm. A arte é sempre estética, política e social, pois cria parâmetros e lida com eles. Por sua natureza, a estética envolve o pensamento social e político. O compromisso da arte é, pois, natural, mesmo que o engajamento seja uma atitude pessoal.
 
Panorama-Quando fez a exposição “Percurso e Presente” em 2005, o senhor revelou que o artista tem que correr o risco de se expor, para sentir se os observadores, sentem a mesma coisa que ele sente pelo seu trabalho. Nos fale mais sobre isso?

Pinto-Acredito que a arte impõe o risco. Ver e ir além é fundamental para qualquer exercício criativo. Sem isso o risco é ficar onde se está. Não se trata de bater recordes, mas de visitar recônditos incomuns. É mais que um compromisso, é antes um dever sem o que a arte se torna inóqua, embora a beleza continue a ser fundamental na criação artística mesmo não sendo indispensável.
 
Panorama-O senhor produziu dois bons programas na TV Cultura (‘A arte de fazer rir’ e ‘Cultura em questão’). Por quê programas com essa dinâmica, são tão difíceis de ser ver em redes com uma maior audiência na televisão aberta?

Pinto-Desde que a humanidade consagrou o mercado como parâmetro para as atitudes e atividades humanas, propostas como aquelas passaram a necessitar do envolvimento do Estado para sobreviverem, pois as leis estabelecidas não balizam ações com aquelas características. A mídia contemporânea é dependente e defensora intransigênte das regras do mercado não por desumanidade, mas como defesa de sua sobrevivência. Avaliadas pelo mercado, propostas como àquelas devem ser rachaçadas como princípio, pois o êxito delas abririam exceções perigosas a por em risco os próprios parâmetros.
 
Panorama-Nos parece, que a verdadeira arte, é sempre jogada em segundo plano em nosso país assim como a educação. Qual a sua percepção sobre esse fato?

Pinto-Creio que dois estágios na história humana prescedem a aventura da vida: sobrevivência e convivência. A segunda é consequência da primeira, embora o fato não estabeleça ordem de importância, pois uma sem a outra compromete a existência de ambas. As jovens nações, onde os princípios da convivência ainda aguardam o passar do tempo para se consolidarem – cultura de hábitos e costumes -, têm, naturalmente, maiores dificuldade na lida com valores subjetivos que se distanciam desses objetivos práticos e a arte é um dos princípios que qualificam a convivência. Em nosso caso nacional, enquanto a sobrevivência estiver em risco, a atenção para com os valores não concretos ficam secundados. Antes a sobrevivência física do homem, depois a relação com os pares: Arte e educação são, pois, insumos básicos, mesmo que subjetivos, na qualificação da convivência e não da sobrevivência física o que as torna dispensáveis aos guerreiros da vida. Isso me explica alguns aspectos da questão, embora não justifique o todo.
 
Panorama-Vamos falar um pouco de jornalismo. O senhor já promoveu, diversas reformas gráficas e editorais em vários veículos do nosso país. E hoje com o advento da internet, como deixar essas publicações mais interessantes para um público que cada vez lê menos jornais e revistas impressas?

Pinto-Esta é uma das graves perguntas orfãs que a contemporâneidade nos trouxe. Será a criatividade o agente que nos ajudará a responder tais questões com o passar do tempo e com a ocupação do vazio que se construirá no espaço herdado.
 
Panorama-Em 2002, o senhor juntamente com seu irmão Ziraldo, lançaram ‘O Pasquim 21′ que deixou de ser publicado em 2004. Atualmente, quais são os maiores empecilhos para um veículo alternativo fazer frente aos principais órgãos da chamada grande imprensa?

Pinto-Acho que aquela foi uma aventura romântica que a referida contemporaneidade não permite, segundo o mercado já citado antes.
 
Panorama-Existe muitos artistas que não gostam de voltar em trabalhos que já foram desenvolvidos e vistos pelo público, mas temos a sensação, que o senhor não tem esse esse tipo de problema, e parece que se precisar voltar a trabalhos anteriores, não pensa duas vezes em tirar ideias para os novos. Estamos certos ou errados nesse ponto de vista?

Pinto-Sinto realmente permanente atração pelo que foi, embora o passado seja a única coisa sólida e irremovível. Em minha ação como pintor, por exemplo, busco com frequência recuperar antigas experiências, pois creio que a vida nos oferece novos ângulos sobre o conhecido à cada nova aventura. Não é possível mudá-lo, mas acredito que modificá-lo seja viável, posto que arriscado.
 
Panorama-No livro ‘Zélio-50 anos de uma aventura visual’, diz que o senhor foi influenciado para se aproximar ao mundo das artes, sobretudo pelo seu irmão Ziraldo. O que tem no trabalho de Zélio que lembra de certa forma o trabalho de Ziraldo e vice e versa?

Pinto-Não nego a influência, mas creio que o trabalho dele me afetou muito menos do que sua atitude frente o mundo.
 
Panorama-Alguns críticos dizem que o maior desafio da sua carreira foi quando começou a trabalhar com abstrações, já que teria que transmitir emoção por meio da cor, do gesto e do movimento. Esse foi o seu maior desafio?

Pinto-Não sei. A incursão no que você identifica como abstração se deu por conta do mergulho e de minha atração por nossa herança visual mais remota. Aos trabalhos desse período identifico como “Ameríndios” numa referência a sensibilidade estética que vislumbrei na herança que chamo pré-Cabralina.
 
Panorama-O tema qua vamos tocar agora é um pouco delicado, mas gostaríamos de saber como foi que o senhor se sentiu e o que pensou, quando fez o seu primeiro trabalho, logo após aquele fatídico incêndio em Nova York em 1989, ter destruído dois terços da sua produção?

Pinto-Lembro-me que foi como um recomeçar. Embora ferido, me senti livre.
 
Panorama-O senhor também se enveredou pelo caminho da literatura, e disse que escrever é uma obsessão. De onde vem essa obsessão?
Pinto-Acredito que o artista deve se exercer em todas as direções pelas quais se sentir atraído. A literetura me atrai inclusive pela quantidade de riscos que ela expõe a quem lida com ela. A palavra é fascinante, tanto quanto a cor, a textura e a forma juntas. Isso me encanta e o risco é imensurável.
 
Panorama-Quando voltou ao Brasil, revelou que o país estava sem rumo. Nós encontramos o rumo novamente ou ainda falta algo para que esse rumo seja encontrado de uma forma mais ampla?

Pinto-Quando voltei senti que o povo havia sido traído não apenas pelos governantes, mas por ele mesmo. E temo que isso volte a acontecer, o que não será nenhuma novidade. A história registra inúmeros exemplos de nossa aproximação com a realização plena como nação. A este propósito, tenho trabalhado em um romance que espero desovar, dia desses.

10 de agosto de 2013
Colaboração do jornalista Eder Fonseca, Diretor-Executivo do portal Panorama Mercantil

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