Estudo baseado no índice de assassinatos por habitantes atesta que São Paulo é a menos insegura das capitais e redesenha o mapa da violência que inclui 1.663 cidades
É mais seguro caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro ou de Campina Grande do Sul, cidade com menos de 40 mil habitantes na Região Metropolitana de Curitiba? E qual destas capitais parece mais perigosa: São Paulo ou Porto Alegre? Convidados a responder rapidamente a tais perguntas, é provável que 10 em 10 brasileiros escolham a primeira opção. Estão todos errados, informa o Mapa da Violência, organizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
A mais recente edição do estudo cobre o período que vai de 2001 a 2011 e utiliza como critério o número de homicídios para cada 100 mil habitantes. Nesse ranking baseado exclusivamente nos crimes de morte, a paranaense Campina Grande do Sul ocupa um incômodo segundo lugar, atrás apenas de Simões Filho, na Bahia, com 118 mil moradores. O Rio de Janeiro aparece na 662° posição entre os 1.663 municípios pesquisados.
O desempenho de São Paulo (1096° colocada) é ainda melhor que o do Rio e muito mais animador que o de Porto Alegre (315°). Na capital gaúcha, a taxa de homicídios supera em 155% a registrada pela maior metrópole brasileira. Hoje, São Paulo é a mais segura das capitais e Porto Alegre patina na 10° posição. As mudanças ocorridas no ranking não tornaram menos perturbador o quadro nacional. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a violência deve ser considerada epidêmica acima de 10 assassinatos a cada 100 mil habitantes por ano. Com 27 homicídios, o Brasil supera esse limite em quase 300%.
Para se ter uma ideia da enormidade dos dígitos, basta confrontá-los com as estatísticas sobre as guerras ocorridas entre 2004 e 2007 no resto do mundo: 62 conflitos armados provocaram 208.349 mortes. De 2008 a 2011, foram assassinadas no Brasil 206.005 pessoas, 117 mil a mais que a soma das vítimas das guerras do Iraque e do Afeganistão.
O Mapa da Violência também confirma o que os especialistas qualificam de “migração da violência”. Enquanto se multiplicam em regiões consideradas “pacatas” há dez anos, os crimes de morte desenham uma curva descendente em antigos redutos da violência. Para espanto de quem mede a criminalidade pelo noticiário jornalístico, São Paulo reduziu em 81,3% a taxa de homicídio. Também de dez anos para cá, esse índice sofreu uma queda de quase 60% no Rio.
As constatações feitas pelo Mapa da Violência não impedem, contudo, que o medo permaneça na mesma altitude, resultante da sensação de insegurança. Uma pesquisa do Ibope divulgada no início do ano comprovou que nove em dez moradores da capital paulista “não se sentem seguros”. Para o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência, esse percepção equivocada (que se repete entre os cariocas) decorre do alcance dos meios de comunicação sediados nas duas maiores cidades do país.
“A violência não está no Rio ou em São Paulo”, garante Waiselfisz. “A notícia da violência é que está nessas cidades. Um sequestro no Rio tem uma repercussão extraordinariamente maior do que um sequestro em Alagoas”. É esse, aliás, o líder do ranking por estado. Maceió, a capital, é uma das 15 cidades que superaram a marca de 100 mortes por 100 mil habitantes. Nos últimos dez anos, a violência cresceu 146,5% em território alagoano. Tal expansão só foi superada pela criminalidade na Bahia, que registrou um avanço de 223,6% no número de homicídios.
Segundo Waiselfisz, o crime mudou de endereço em consequência de alterações na paisagem econômica e da falta de investimento em segurança. “A partir dos anos 90, a renda concentrada nas grandes metrópoles passou a migrar para municípios menores”, argumenta. “Essas cidades não estavam preparadas para o crescimento da população, e os sistemas de segurança, que eram compatíveis com o baixo número de habitantes, se mantiveram estagnados”.
No conjunto das capitais, a taxa de homicídios sofreu uma queda de 20,9%. Em contrapartida, cresceu 23,6%, nos municípios interioranos. O organizador do Mapa ressalva que essa curva ascendente também foi influenciada pelo aperfeiçoamento do aparelho policial. “Os institutos médico-legais eram muito poucos no país”, exemplifica o sociólogo. A contagem dos mortos foi aperfeiçoada, mas continua longe da eficiência desejável ─ o que permite supor que as dimensões da violência sejam ainda mais inquietantes.
“Alguns estudos comprovam que crimes banais, como discussões em botecos, matam muito que o tráfico de drogas”, observa Waiselfisz. E muitos crimes de morte decorrem da descrença na Justiça. “Como não confiam nos tribunais”, constata , “um número enorme de brasileiros acha mais eficaz fazer justiça com as próprias mãos”.
10 de agosto de 2013
in Augusto Nunes, Veja.com
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