"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 20 de maio de 2012

DILMA E A VERDADE À MODA GREGA

Já nos primeiros minutos do emocionado discurso que pronunciou na cerimônia de instalação da Comissão da Verdade, quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff apresentou uma curiosidade filológica surpreendente:

“A palavra ‘verdade’, na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra ‘esquecimento’”, disse ela. “É memória e é História. É a capacidade humana de contar o que aconteceu.”

Será mesmo? Diga-se, a bem da verdade, que a palavra verdade nunca significou, em termos filosóficos, exatamente o contrário de esquecimento na “tradição grega ocidental”, mas de fato existe uma verdade etimológica profunda na afirmação da presidente.

Nosso vocábulo verdade veio no século 13 do latim veritatis, mas o termo grego que os latinos traduziam por essa palavra era etimologicamente bem distinto:

na língua de Platão (foto), aletheia carregava sobretudo a ideia de desvelamento, de descoberta, de retirada do véu da aparência para revelar aquilo que verdadeiramente é.

E o que a memória tem a ver com isso? Na mitologia grega, chamava-se Lete o “rio do esquecimento”, que provocava a perda de memória em quem bebesse de sua água. Aletheia (de a + lethe) era, na origem, a negação dessa amnésia, e portanto a afirmação da memória, provavelmente entendida como o próprio fundamento da razão.

Como lembra o filósofo catalão José Ferrater Mora, “o sentido primário da verdade como aletheia não é (…) mera descoberta ou patenteamento, mas, sobretudo, a manifestação da recordação”.

20 de maio de 2012
Sérgio Rodrigues

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