A chanceler alemã Angela Merkel não pode mudar drasticamente seu discurso em defesa do pacto fiscal assinado pelos países europeus em março – afinal 59% dos eleitores alemães rejeitam que medidas voltadas ao crescimento econômico sejam tomadas mediante mais tolerância com o endividamento público.
Mantendo seu tom intransigente, no entanto, Merkel sabe que está ficando isolada na União Européia e que aos poucos seus próprios eleitores estão se deixando contaminar pelos clamores de fleixibilização das metas implacáveis que estão levando vários países ao limite do sacrifício. Nos últimos dias, a Espanha entrou numa zona de risco que poderá obrigá-la a um pedido de “ajuda” aos organismos financeiros da UE, ao Banco Europeu e ao FMI – a chamada troika. A Itália enfrenta os mesmos problemas.
Na Holanda o governo liberal do primeiro-ministro Mark Rutte renunciou – ficará no poder até as eleições de setembro – por não conseguir impor mais cortes orçamentários, e quem lhe resistiu foi a extrema-direita liderada pelo temido Geert Wilders, desta vez alegando que os cortes de 16 bilhões de euros retirariam poder aquisitivo aos holandeses.
De Portugal só nos chegam más notícias econômicas, enquanto o Partido Socialista já discursa como aspirante a suceder o governo de centro-direita de Passos Coelho, sujeito a um voto de desconfiança que a cada dia parece mais provável. O ex-presidente Mário Soares, um dos políticos mais respeitados no país e, certamente, o mais acatado dentro do PS, nunca foi tão requisitado para entrevistas e para escrever artigos, nos quais critica cada vez mais acidamente as medidas recessivas do governo.
No jornal Público, tratando do 25 de Abril (a Revolução dos Cravos que muitos hoje consideram traída pelos conservadores), Soares escreveu: “A austeridade, imposta pela Troika e pela ideologia do atual Governo (o FMI já percebeu que a continuar será um desastre) não nos leva a parte alguma ou, para ser mais preciso, conduz-nos, cada ano, de mal a pior. (…) Mas tenhamos esperança. O povo português é um grande Povo. Não vai deixar de reagir, pacificamente, espero”.
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SUSTOS ELEITORAIS
Os povos europeus mais afetados pela “crise” (as aspas são porque as pessoas sentem mais diretamente os efeitos das terapias do que os da chamada crise que, no fundo, é a insolvência de bancos e governos que abusaram de financiamentos de risco e endividamento, respectivamente; a “bolha” só dói quando explode…) estão mandando recados eleitorais aos diversos governos.
François Sarkozy foi apenas mais um de uma lista de governantes, nos últimos dois anos, derrotados pela aplicação das políticas impositivas da UE. A França historicamente sempre foi um contraponto às posições da Alemanha, e Sarkozy ousou ignorar esta tradição. A fórmula “Merkozy”, significando a identidade entre seu governo e as vontades da chancelar alemã, lhe foi fatal – e deu à esquerda socialista a chance que muitos esperavam, de empurrar a economia continental na direção do crescimento possível.
A austeridade não oferece a esperança que os eleitores querem pelo menos vislumbrar no fim da atual recessão. Agora caberá ao presidente Hollande enfrentar o desemprego e o endividamento em seu país, para o que já adiou por um ano o cumprimento pela França das metas européias de déficit. Mas ele quer mais: quer renegociar os termos do tratado fiscal em vigor. Ao nível dos discursos oficiais, isso significa um confronto direto com sua colega alemã.
Mas há uma política que se desenvolve num escalão inferior e mais distante das luzes da mídia. Neste patamar, assessores de Merkel já dão sinais de que ambos os países chegarão a um meio-termo.
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A SAÍDA DA GRÉCIA
Angela Merkel tem ainda um ano e meio de governo, e sabe que sua segunda reeleição estará em risco caso persista na defesa de uma austeridade que debilite toda a estrutura da União Européia e até leve alguns países a deixarem a Eurozona. A UE tem 27 membros, a Eurozona 17, mas a Grécia já começa a ser vista como fora desta última. Será apenas uma primeira defecção do bloco? Que líder político gostaria de passar à História como causador do fim da experiência unitária na Europa?
E os eleitores alemães (aqueles que realmente interessam a Merkel) já derrotaram seu partido, o CDU democrata-cristão em seis eleições estaduais. A chanceler, apoiando candidatos, perdeu na sua terra natal, e agora perdeu no maior Estado, a Renânia do Norte-Vestifália, que quase sempre foi um indicador de tendências depois confirmadas nas eleições federais.
Em todos os Estados, desde sua segunda posse em 2009, o partido de Merkel tem tido dificuldades para ultrapassar os 20% de votos. Quem tem crescido é o Partido Os Verdes, hoje visto com reais possibilidades de fazer o próximo primeiro-ministro numa coligação com os socialistas ou outras forças à esquerda.
Merkel mantém o discurso duro. O FMI e o Banco Central Europeu dão mais prazo para a Espanha, Portugal e outros países endividados limitarem o crescimento do déficit público em 3%. Mais, admitem até mais inflação e algum aumento salarial na própria Alemanha. Para usar uma expressão popular bem brasileira: enquanto um morde, os outros assopram…
Portanto, há algum afrouxamento cauteloso, mas que indica uma ligeira alteração nos dogmas financeiristas até agora proclamados por quase todos os governos e pelo Conselho da UE. Tudo isso forçado pelos eleitores dos diversos países quando chamados a opinar, e pelos cidadãos indignados que ocupam as praças em diversas cidades, como acaba de ocorrer novamente. De um jeito ou de outro, os políticos sempre são forçados a darem ouvidos à “voz rouca das ruas”…
Mantendo seu tom intransigente, no entanto, Merkel sabe que está ficando isolada na União Européia e que aos poucos seus próprios eleitores estão se deixando contaminar pelos clamores de fleixibilização das metas implacáveis que estão levando vários países ao limite do sacrifício. Nos últimos dias, a Espanha entrou numa zona de risco que poderá obrigá-la a um pedido de “ajuda” aos organismos financeiros da UE, ao Banco Europeu e ao FMI – a chamada troika. A Itália enfrenta os mesmos problemas.
Na Holanda o governo liberal do primeiro-ministro Mark Rutte renunciou – ficará no poder até as eleições de setembro – por não conseguir impor mais cortes orçamentários, e quem lhe resistiu foi a extrema-direita liderada pelo temido Geert Wilders, desta vez alegando que os cortes de 16 bilhões de euros retirariam poder aquisitivo aos holandeses.
De Portugal só nos chegam más notícias econômicas, enquanto o Partido Socialista já discursa como aspirante a suceder o governo de centro-direita de Passos Coelho, sujeito a um voto de desconfiança que a cada dia parece mais provável. O ex-presidente Mário Soares, um dos políticos mais respeitados no país e, certamente, o mais acatado dentro do PS, nunca foi tão requisitado para entrevistas e para escrever artigos, nos quais critica cada vez mais acidamente as medidas recessivas do governo.
No jornal Público, tratando do 25 de Abril (a Revolução dos Cravos que muitos hoje consideram traída pelos conservadores), Soares escreveu: “A austeridade, imposta pela Troika e pela ideologia do atual Governo (o FMI já percebeu que a continuar será um desastre) não nos leva a parte alguma ou, para ser mais preciso, conduz-nos, cada ano, de mal a pior. (…) Mas tenhamos esperança. O povo português é um grande Povo. Não vai deixar de reagir, pacificamente, espero”.
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SUSTOS ELEITORAIS
Os povos europeus mais afetados pela “crise” (as aspas são porque as pessoas sentem mais diretamente os efeitos das terapias do que os da chamada crise que, no fundo, é a insolvência de bancos e governos que abusaram de financiamentos de risco e endividamento, respectivamente; a “bolha” só dói quando explode…) estão mandando recados eleitorais aos diversos governos.
François Sarkozy foi apenas mais um de uma lista de governantes, nos últimos dois anos, derrotados pela aplicação das políticas impositivas da UE. A França historicamente sempre foi um contraponto às posições da Alemanha, e Sarkozy ousou ignorar esta tradição. A fórmula “Merkozy”, significando a identidade entre seu governo e as vontades da chancelar alemã, lhe foi fatal – e deu à esquerda socialista a chance que muitos esperavam, de empurrar a economia continental na direção do crescimento possível.
A austeridade não oferece a esperança que os eleitores querem pelo menos vislumbrar no fim da atual recessão. Agora caberá ao presidente Hollande enfrentar o desemprego e o endividamento em seu país, para o que já adiou por um ano o cumprimento pela França das metas européias de déficit. Mas ele quer mais: quer renegociar os termos do tratado fiscal em vigor. Ao nível dos discursos oficiais, isso significa um confronto direto com sua colega alemã.
Mas há uma política que se desenvolve num escalão inferior e mais distante das luzes da mídia. Neste patamar, assessores de Merkel já dão sinais de que ambos os países chegarão a um meio-termo.
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A SAÍDA DA GRÉCIA
Angela Merkel tem ainda um ano e meio de governo, e sabe que sua segunda reeleição estará em risco caso persista na defesa de uma austeridade que debilite toda a estrutura da União Européia e até leve alguns países a deixarem a Eurozona. A UE tem 27 membros, a Eurozona 17, mas a Grécia já começa a ser vista como fora desta última. Será apenas uma primeira defecção do bloco? Que líder político gostaria de passar à História como causador do fim da experiência unitária na Europa?
E os eleitores alemães (aqueles que realmente interessam a Merkel) já derrotaram seu partido, o CDU democrata-cristão em seis eleições estaduais. A chanceler, apoiando candidatos, perdeu na sua terra natal, e agora perdeu no maior Estado, a Renânia do Norte-Vestifália, que quase sempre foi um indicador de tendências depois confirmadas nas eleições federais.
Em todos os Estados, desde sua segunda posse em 2009, o partido de Merkel tem tido dificuldades para ultrapassar os 20% de votos. Quem tem crescido é o Partido Os Verdes, hoje visto com reais possibilidades de fazer o próximo primeiro-ministro numa coligação com os socialistas ou outras forças à esquerda.
Merkel mantém o discurso duro. O FMI e o Banco Central Europeu dão mais prazo para a Espanha, Portugal e outros países endividados limitarem o crescimento do déficit público em 3%. Mais, admitem até mais inflação e algum aumento salarial na própria Alemanha. Para usar uma expressão popular bem brasileira: enquanto um morde, os outros assopram…
Portanto, há algum afrouxamento cauteloso, mas que indica uma ligeira alteração nos dogmas financeiristas até agora proclamados por quase todos os governos e pelo Conselho da UE. Tudo isso forçado pelos eleitores dos diversos países quando chamados a opinar, e pelos cidadãos indignados que ocupam as praças em diversas cidades, como acaba de ocorrer novamente. De um jeito ou de outro, os políticos sempre são forçados a darem ouvidos à “voz rouca das ruas”…
Antonio Barbosa Filho
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