"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 18 de julho de 2012

MUY AMIGOS

RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
O melhor amigo do homem não é um senador. Muito menos um bicheiro. Demóstenes Torres descobriu isso tarde demais. Aliás, quem descobriu foi a imprensa.

Demóstenes foi cassado, segundo ele, por pressão nossa, da mídia e da sociedade. E por não ter amigos no reino da mentira e da promiscuidade.
Era um solitário no Senado, visto como falso, arrogante e prepotente. O rei das grandes frases para os jornalistas.

Ficou mais sozinho nos últimos tempos, um “cão sarnento” em suas palavras. Não dormia nem com remédio. Sua mulher evitava sair com ele para beber vinho. Pelo menos, ainda está casado e só se sente traído por seus pares.

Para a Justiça de Goiás, Demóstenes continua com força na peruca: ele voltou a ser procurador criminal do Ministério Público. Com salário de R$ 24 mil e dois assessores. O decoro perde assim para a decoração. A sala tem o nome de Demóstenes na porta. Estão vetados rádios Nextel e geladeiras importadas.

Menos sorte no amor tem o suplente do senador cassado, Wilder Pedro de Morais, um homem bem-sucedido nos negócios. Foi o segundo maior doador da campanha de Demóstenes segundo a Justiça Eleitoral. Deu R$ 700 mil.

No escurinho do teatro, quantos beneficiados por “Carlinhos” votaram para se livrar de um arquivo vivo?
Filho de peão, criado na roça e hoje megaempresário em Goiás, Wilder perdeu a mulher bonitona e mãe de seus dois filhos, Andressa, para o “padrinho” Cachoeira, a quem chama na intimidade apenas de Carlinhos. Andressa foi morar na casa do bicheiro em 2010, logo após a separação. Um enredo de novela das 8 com nome de Brasil.

Wilder perdeu a mulher, mas não o humor. Tachado de “o marido traído da CPI” ou coisa mais chula, ele brinca ao confirmar a “sociedade” com o bicheiro. “É lógico que somos sócios. Sou sócio involuntário do Cachoeira na mulher!”

O fingidor Cachoeira teria sondado Wilder: “Quero saber se essa separação é para valer mesmo, sou amigo do casal e estou preocupado”. Wilder teria respondido: “Ô, Cachoeira, larga de ser cínico que eu sei que a Andressa está morando em sua casa”. Cachoeira ainda tentou convencê-lo de sua boa intenção: “Mas ela está lá só como amiga”.

“Olha aqui, Carlinhos”, afirmou Wilder. “Casamento tem dois momentos: o ruim e o bom. O ruim é quando a mulher dá problema. E o bom é quando a gente passa o problema e a mulher para a frente.”

Cachoeira nunca perdeu a chance de lembrar a Wilder que foi ele quem o colocou como suplente e secretário de Infraestrutura no governo de Perillo, do PSDB de Goiás. Está gravado e revelado. Cachoeira também tentou derrubar sua criação. Chamou o afilhado de “bosta” e disse a Demóstenes: “Temos de preparar um nome para substituir o Wilder”.

Pelo conjunto da obra, Cachoeira poderia ter sido inspiração para Jô Soares, que criou a expressão “muy amigo” na boca do argentino Gardelón. O personagem sempre se dava mal com traidores que se passavam por bonzinhos.

Na semana passada, Wilder estava de férias no Nordeste. Voltou ao Senado na sexta-feira 13, mais bronzeado.Terá muito a explicar. Como substituir um senador cassado por suas relações íntimas com Cachoeira?

A ironia perversa é que a cassação de Demóstenes até o ano de 2027 talvez tenha sido ajudada pelo voto secreto no Senado. No escurinho do teatro, quantos beneficiados por “Carlinhos” votaram, na verdade, só para tirar do palanque um arquivo vivo? Tenho curiosidade particular pelos cinco que se abstiveram, envergonhados de si mesmos.

A sessão foi transmitida pela TV Senado, e o resultado foi bom para a moralização política. O contrário teria sido um escândalo – como tantos no passado recente. Mas as expressões de orgulho dos senadores soam hipócritas. “Cabeça erguida.” “Cumprimento da justiça e de nosso papel.” “A imagem da instituição está salva.”

Tudo isso, numa casa onde reinam figuras como Renan Calheiros, que assistiu à votação de pé. Líder do PMDB, antigo alvo da fúria ética de Demóstenes, Renan deu no cachorro morto um leve abraço muy amigo com três tapinhas nas costas.

No discurso de defesa e despedida, Demóstenes ameaçou ao citar o refrão de “Cartomante”, de Ivan Lins com Vitor Martins. Cai o rei de espadas/Cai o rei de ouros/Cai o rei de paus/Cai, não fica nada... Eu me pergunto quem será o rei de ouros.

O Senado abusou muito tempo de sua arrogância corporativista. Em 2007, fechou ao público a votação do processo contra Renan Calheiros, absolvido por 40 a 35 votos. Foram seis as representações do Conselho de Ética pela cassação. Contas pagas à amante por um lobista de empreiteira. Notas fiscais frias. Empresas fantasmas. Desvios de dinheiro. Laranjas, vacas. Eram outros tempos. E Renan é do PMDB, amigo do rei.

“O Senado esteve à altura. É difícil, mas aqui não é uma confraria de amigos”, disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autor da representação contra Demóstenes. Pode ser.

É uma confraria de muy amigos.


18 de julho de 2012
Ruth de Aquino

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