Diante da expectativa de mais um pibinho pela frente, a presidente Dilma Rousseff mudou da água para o vinho seu discurso econômico, passando a valorizar mais outras medidas que não a do Produto Interno Bruto, que até outro dia era festejado pelo governo como comprovação de que o país passara a ser a sexta economia do mundo, superando a Inglaterra e ameaçando a França, que está em quinto lugar.
Com o crescimento pífio previsto para este ano — por volta de 2% ou até menos, segundo algumas previsões — e o dólar valorizando, o país corre o risco de fechar o ano caindo novamente de patamar entre as maiores economias do mundo.
Pelo terceiro ano consecutivo, o país crescerá menos que os emergentes, a ponto de o economista Jim O’Neill, criador da sigla Brics para um estudo da Goldman Sachs sobre as principais economias emergentes do mundo, dizer que o Brasil corre o risco de perder sua posição no grupo.
A presidente se referiu à capacidade de um país tratar bem seu futuro, isto é, as crianças e os adolescentes, como mais importante do que o mero crescimento econômico medido pela acumulação de bens, e, se pode ter razão em teoria, na prática está lidando com medidas complementares e não dissociadas.
A não ser que esteja pensando em um tipo de modelo à la Cuba, onde o governo teoricamente dá mais valor ao desenvolvimento social do que ao econômico, isto é, mais ao IDH do que ao PIB, o que na prática se mostra um desastre.
Estamos em 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e perdemos para países da região como Chile, Uruguai, Argentina. Cuba, que voltou a ter seu desenvolvimento humano medido depois de anos ausente do relatório do programa das Nações Unidas, aparece em 51º lugar.
Já tratei desse assunto diversas vezes aqui, mas é sempre bom repetir. Em uma coluna de março lembrei que a Noruega, por exemplo, não está entre as maiores economias do mundo, mas é a número um em IDH, método criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e pelo Prêmio Nobel Amartya Sen para avaliar outras dimensões na medição da qualidade de vida de um povo.
Além do PIB per capita corrigido pela paridade do poder de compra de cada país, o IDH leva em conta a longevidade e a educação.
Para aferir a longevidade, o indicador usado é a expectativa de vida ao nascer. O item “educação” é avaliado pelo analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino.
O ideal é unir os dois indicadores, e por enquanto são os países desenvolvidos que conseguem isso. A maior economia do mundo continua sendo a dos Estados Unidos, que também são o 4º colocado em IDH.
A China já é o segundo PIB do mundo e, tudo indica, alcançará os Estados Unidos em alguns anos, mas, quando se trata de qualidade de vida, está na rabeira da lista do IDH, em 101º lugar.
O Japão, que caiu para o terceiro lugar no ranking do PIB, está em 12º lugar no IDH. A Alemanha é a mais bem colocada entre os grandes da Zona do Euro, em 9º lugar.
A França está em 20º lugar. O Reino Unido, que ultrapassamos pelo PIB, está em 28º lugar na relação do IDH, enquanto a Itália está em 24º.
Os dois últimos do ranking das dez maiores economias do mundo, Rússia e Índia, estão também na rabeira da lista do IDH: Rússia em 66º (melhor que o Brasil) e Índia em 124º (pior que a China).
A presidente Dilma Rousseff tem toda a razão. Como já escrevi aqui quando saiu a notícia de que passáramos a ser a sexta economia do mundo, mais importante que isso é sabermos que estamos em 84º lugar no IDH; em 88º no Índice de Desenvolvimento Educacional; ainda somos um dos mais desiguais na distribuição de renda do mundo, apesar dos avanços recentes.
E entender que, para deixarmos de ser o 73º país no ranking de renda per capita, temos que encarar as reformas estruturais de que o país necessita para crescer sustentavelmente, principalmente na educação.
Temos tido sinais permanentes de que o ensino de Matemática entre nós está abaixo das necessidades do país. O professor Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, fez uma relação de indícios de nosso atraso nesse setor: aprovação de apenas 42,8% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental com os conhecimentos básicos de matemática; em apenas 35 cidades do país, mais da metade dos alunos do 9º ano do ensino fundamental sabe Matemática, teriam nota superior a 5; apenas 11% dos jovens que alcançam a 3ª série do ensino médio têm aprendizado suficiente na matéria.
De 2000 a 2009, o Brasil aparece entre as três nações que mais evoluíram no Pisa — exame internacional de avaliação — segundo boletim da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em 2010.
E, no entanto, ainda ocupa a 53ª posição entre 65 países. Os países que fazem parte da OCDE, os mais avançados do mundo, aplicam cerca de 7% do PIB em pesquisa e desenvolvimento.
O Brasil não passa de 1%, sendo suplantado largamente por Coreia do Sul e China, países que estavam atrás de nós nesse setor nos anos 1980. Em 1960, a Coreia já tinha escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, e essa diferença só fez aumentar de lá para cá, estando atualmente em mais de seis anos.
Depois de aparentemente desistir da possibilidade de crescer acima de 3% ainda este ano, a presidente Dilma Rousseff tenta encarnar a personalidade de seu tutor, repetindo como Lula que “nunca antes neste país” se fez tanto pela distribuição de renda.
E repete até mesmo as gafes do antecessor, ao comemorar o desastre econômico europeu para fazer um contraponto ao modelo brasileiro.
Segundo ela, o Brasil usa uma fórmula mais eficiente: fomentar o desenvolvimento “distribuindo o bônus para o povo. Hoje eles (os espanhóis) estão cortando o 13º salário, 30% do salário dos vereadores e aumentando os impostos, e (mesmo assim) o país vai de mal a pior” — disse a presidente.
Fez lembrar o ex-presidente Lula, que criou um embaraço diplomático ao dizer, para se vangloriar, que “é muito bom terminar o mandato e ver que os EUA continuam em crise”, em contraste com o Brasil, que crescera naquele ano 7,5%.
Deu no que deu. Este ano, é possível que os Estados Unidos em crise cresçam mais que nós.
Merval Pereira, O Globo
14 de julho de 2012
Com o crescimento pífio previsto para este ano — por volta de 2% ou até menos, segundo algumas previsões — e o dólar valorizando, o país corre o risco de fechar o ano caindo novamente de patamar entre as maiores economias do mundo.
Pelo terceiro ano consecutivo, o país crescerá menos que os emergentes, a ponto de o economista Jim O’Neill, criador da sigla Brics para um estudo da Goldman Sachs sobre as principais economias emergentes do mundo, dizer que o Brasil corre o risco de perder sua posição no grupo.
A presidente se referiu à capacidade de um país tratar bem seu futuro, isto é, as crianças e os adolescentes, como mais importante do que o mero crescimento econômico medido pela acumulação de bens, e, se pode ter razão em teoria, na prática está lidando com medidas complementares e não dissociadas.
A não ser que esteja pensando em um tipo de modelo à la Cuba, onde o governo teoricamente dá mais valor ao desenvolvimento social do que ao econômico, isto é, mais ao IDH do que ao PIB, o que na prática se mostra um desastre.
Estamos em 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e perdemos para países da região como Chile, Uruguai, Argentina. Cuba, que voltou a ter seu desenvolvimento humano medido depois de anos ausente do relatório do programa das Nações Unidas, aparece em 51º lugar.
Já tratei desse assunto diversas vezes aqui, mas é sempre bom repetir. Em uma coluna de março lembrei que a Noruega, por exemplo, não está entre as maiores economias do mundo, mas é a número um em IDH, método criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e pelo Prêmio Nobel Amartya Sen para avaliar outras dimensões na medição da qualidade de vida de um povo.
Além do PIB per capita corrigido pela paridade do poder de compra de cada país, o IDH leva em conta a longevidade e a educação.
Para aferir a longevidade, o indicador usado é a expectativa de vida ao nascer. O item “educação” é avaliado pelo analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino.
O ideal é unir os dois indicadores, e por enquanto são os países desenvolvidos que conseguem isso. A maior economia do mundo continua sendo a dos Estados Unidos, que também são o 4º colocado em IDH.
A China já é o segundo PIB do mundo e, tudo indica, alcançará os Estados Unidos em alguns anos, mas, quando se trata de qualidade de vida, está na rabeira da lista do IDH, em 101º lugar.
O Japão, que caiu para o terceiro lugar no ranking do PIB, está em 12º lugar no IDH. A Alemanha é a mais bem colocada entre os grandes da Zona do Euro, em 9º lugar.
A França está em 20º lugar. O Reino Unido, que ultrapassamos pelo PIB, está em 28º lugar na relação do IDH, enquanto a Itália está em 24º.
Os dois últimos do ranking das dez maiores economias do mundo, Rússia e Índia, estão também na rabeira da lista do IDH: Rússia em 66º (melhor que o Brasil) e Índia em 124º (pior que a China).
A presidente Dilma Rousseff tem toda a razão. Como já escrevi aqui quando saiu a notícia de que passáramos a ser a sexta economia do mundo, mais importante que isso é sabermos que estamos em 84º lugar no IDH; em 88º no Índice de Desenvolvimento Educacional; ainda somos um dos mais desiguais na distribuição de renda do mundo, apesar dos avanços recentes.
E entender que, para deixarmos de ser o 73º país no ranking de renda per capita, temos que encarar as reformas estruturais de que o país necessita para crescer sustentavelmente, principalmente na educação.
Temos tido sinais permanentes de que o ensino de Matemática entre nós está abaixo das necessidades do país. O professor Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, fez uma relação de indícios de nosso atraso nesse setor: aprovação de apenas 42,8% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental com os conhecimentos básicos de matemática; em apenas 35 cidades do país, mais da metade dos alunos do 9º ano do ensino fundamental sabe Matemática, teriam nota superior a 5; apenas 11% dos jovens que alcançam a 3ª série do ensino médio têm aprendizado suficiente na matéria.
De 2000 a 2009, o Brasil aparece entre as três nações que mais evoluíram no Pisa — exame internacional de avaliação — segundo boletim da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em 2010.
E, no entanto, ainda ocupa a 53ª posição entre 65 países. Os países que fazem parte da OCDE, os mais avançados do mundo, aplicam cerca de 7% do PIB em pesquisa e desenvolvimento.
O Brasil não passa de 1%, sendo suplantado largamente por Coreia do Sul e China, países que estavam atrás de nós nesse setor nos anos 1980. Em 1960, a Coreia já tinha escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, e essa diferença só fez aumentar de lá para cá, estando atualmente em mais de seis anos.
Depois de aparentemente desistir da possibilidade de crescer acima de 3% ainda este ano, a presidente Dilma Rousseff tenta encarnar a personalidade de seu tutor, repetindo como Lula que “nunca antes neste país” se fez tanto pela distribuição de renda.
E repete até mesmo as gafes do antecessor, ao comemorar o desastre econômico europeu para fazer um contraponto ao modelo brasileiro.
Segundo ela, o Brasil usa uma fórmula mais eficiente: fomentar o desenvolvimento “distribuindo o bônus para o povo. Hoje eles (os espanhóis) estão cortando o 13º salário, 30% do salário dos vereadores e aumentando os impostos, e (mesmo assim) o país vai de mal a pior” — disse a presidente.
Fez lembrar o ex-presidente Lula, que criou um embaraço diplomático ao dizer, para se vangloriar, que “é muito bom terminar o mandato e ver que os EUA continuam em crise”, em contraste com o Brasil, que crescera naquele ano 7,5%.
Deu no que deu. Este ano, é possível que os Estados Unidos em crise cresçam mais que nós.
Merval Pereira, O Globo
14 de julho de 2012
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