O
Rainbow
Warrior, famoso navio do Greenpeace, agora em águas
brasileiras
De
fato, nada na presença do navio Rainbow
Warrior em terras brasileiras – ou no discurso
ecológico europeu que a sustenta - é realmente novo sob o sol. Sua origem,
contudo, não está nas conquistas europeias do século XVI e XVII, mas num
movimento um pouco mais tardio.
Notem
que não se trata, aqui, de um exercício de nacionalismo exacerbado. É muito mais
uma questão de conhecer a origem das coisas para não se cair em cantos de
sereias que são mais velhos que a própria crença em sereias.
O
que hoje é ecologia, ontem foi ciência aparentemente – e apenas aparentemente -
desprovida de qualquer interesse financeiro. O que hoje nos é apresentado como
preocupação desinteressada pela preservação do planeta, ontem se apresentava
como deslumbramento puro pelo nascimento de uma ciência
universal.
Desde
o início do século XVIII, ao sabor de um discurso cientifico, África e América
se tornaram alvos de um novo tipo de investida europeia, que pretendia descobrir
novas fontes de matéria prima para a emergente demanda industrial.
Em
uma das melhores obras que conheço sobre o tema, “Os olhos do Império: viagens de
transculturação”, Mary Louise Pratt dá nome a este novo impulso ideológico,
de caráter científico, que legitimou ação europeia dos séculos XVIII e XIX sobre
zonas coloniais: “anti-conquista”.
Este
novo discurso se contrapôs ao antigo sistema absolutista de conquista e libertou
o imaginário europeu do caráter predatório e violento dos primeiros
conquistadores para conferir às novas expedições um aspecto de inocente
interesse científico.
Para
Pratt, dois acontecimentos, ambos ocorridos em 1735, exerceram especial
influência nesta ruptura cultural: a expedição La Condamine - primeira expedição
científica à América hispânica, que pretendia definir o formato da Terra - e a
publicação de O Sistema da Natureza, do naturalista Carl
Linné.
Embora
tenha fracassado em seu objetivo principal – seus integrantes permaneceram
perdidos ao longo de uma década na selva americana - La Condamine resultou em uma série de
relatos que popularizaram um novo personagem no cenário da colonização europeia:
o cientista. Já a Linné, cujo sistema permitiu classificar todas as plantas
existentes no planeta, coube o papel de transformar as zonas coloniais em
espaços de trabalho científico.
Muito
rapidamente, o sistema de Linné foi transposto para as demais áreas da ciência
e, no embalo de novas expedições, financiadas por recém-nascidas sociedades
científicas, a Europa ingressou numa febre de catalogação – que começa com
proliferação das coleções particulares e culmina nos museus de História
Natural.
Nos
bastidores, porém, explica Mary Louise Pratt, o que de fato acontecia era uma
associação entre interesses comerciais e científicos: estudantes de Linné eram
patrocinados por companhias de comércio ultramarino e membros de expedições
promovidas por sociedades científicas europeias eram orientados, secretamente, a
observarem fontes de matéria-prima e oportunidades comerciais.
Então,
uma nobreza de intenções camuflava o fato de que espécimes de flora e fauna,
segredos de geografia e dados geológicos importantes eram catalogados para
futura exploração mercantil. Da mesma forma que, hoje, o discurso ecológico abre
as portas de nossa biosfera para toda sorte de ONGs sem que suas reais intenções
sejam realmente conhecidas.
Se
não houve “almoço grátis” para os estudantes de Linné, é preciso ser inocente ao
extremo para acreditar que o há, agora, para os integrantes de organizações que
dizem estar aqui para defender aquilo que não lhes pertence. Não enxergar este
ambientalismo europeu que nos quer tutelar como o que ele, de fato, é – uma
versão pós-moderna do neocolonialismo - significa colocar-se na posição da
vítima que se deixa vitimizar repetidamente. É incorporar a insanidade como
Einstein a descreveu: repetir determinada atitude na expectativa de que o
resultado seja diferente.
Ter
em mente que, para além do amor ao planeta, interesses menos nobres podem
financiar tais ações é uma obrigação nacional que, com raras exceções, não é
levada a sério por qualquer instância de poder: governo, justiça e imprensa vêm
engolindo o discurso do “bom ecologista” tal qual europeus e americanos dos
séculos XVIII e XIX haviam engolido o discurso do “bom cientista”.
A
ausência de qualquer resistência a esta pauta ecológica - e sua consequente
força hegemônica junto à opinião pública nacional – ajudam a entender o fenômeno
Marina Silva. Mesmo sem qualquer proposta concreta para pontos prioritários da
agenda eleitoral – saúde e segurança – Marina Silva conquistou 20 milhões de
votos na última corrida presidencial carregando, tão somente, o discurso da
preservação de recursos naturais. Nem mesmo uma denúncia de extração ilegal de
mogno a avizinhar-se de seu círculo familiar foi capaz de abalar a imagem de
protetora da natureza. O fato é que, temerosos de macular tal imagem, quase
beatificada, erigida com o apoio do ambientalismo europeu, imprensa e
adversários evitaram erguer o véu para revelar os interesses internacionais sob
o mito.
Finalmente,
retornamos à Mary Louise Pratt para observar que a retórica derivada das
explorações científicas dos séculos XVIII e XIX, era, sobretudo, “um discurso urbano sobre mundos não urbanos,
um discurso burguês e letrado sobre mundos não letrados e rurais”, que
acabava qualificando qualquer formação social que fugisse aos moldes europeus –
em especial, àquelas preocupadas, prioritariamente, com sua subsistência - como
atrasada, infantil e incapaz de gerir seus próprios recursos. O que, em tese
última, legitimava uma intervenção europeia.
Qualquer
semelhança com o discurso ecológico que o chamado mundo desenvolvido, suas ONGs
e seus representantes nacionais hoje nos impõem, portanto, não é mera
coincidência – e muito menos novo. O que o Rainbow
Warrior e o Greenpace nos dizem, tal qual nos diziam
os relatos científicos de outrora, é que somos incapazes de cuidar dos nossos
próprios recursos. Mensagem, aliás, replicada por todas as organizações
internacionais que querem interferir sobre o modo como desmatamos, plantamos ou
usamos nossos recursos hídricos.
(Este artigo nasceu de um debate sobre este outro aqui ).
19 de outubro de 2012
nariz gelado
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