Esperadas desde domingo, as explicações públicas para a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul acabaram se resumindo, nesta terça-feira, a um jogo de empurra e de acusações mútuas entre autoridades municipais e estaduais.Pressionados por amigos e familiares dos mais de 230 jovens mortos no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, e pela imprensa nacional e internacional, prefeitura e Corpo de Bombeiros entraram em rota de atrito.
15h30
O primeiro sintoma da crise
veio a público às 15h30min, quando o major Gerson Pereira, chefe do Estado Maior
do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, concedeu entrevista coletiva na
sede da corporação no município. No meio da conversa, transmitida ao vivo por
veículos de comunicação, ele foi desautorizado a falar com jornalistas pelo
governador Tarso Genro.
A reprimenda veio depois que o
major, exaltado, disse que “a culpa” pelo incidente não pode ser atribuída à sua
equipe, mas admitiu que havia “coisas erradas” na casa noturna. Pereira negou
que as falhas fossem de responsabilidade dos bombeiros e insistiu em afirmar que
o estabelecimento podia funcionar mesmo com o alvará de prevenção e proteção
contra incêndio vencido.
Depois de ter sido chamado com
urgência por um colega para o lado de fora da sala, Pereira voltou e avisou que
não poderia mais se pronunciar:— Recebi uma determinação de que quem trata desse
assunto agora é o governador.
Minutos antes, em outra
entrevista no Palácio Piratini, Tarso já havia demonstrado descontentamento com
a postura assumida pelos comandos do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar no
caso. O governador reconheceu que a danceteria não deveria estar aberta “de
jeito nenhum”. — O chefe dos bombeiros não falou demais. Ele falou completamente
errado. Bombeiros não autorizam o funcionamento de nada. Quem dá o alvará é a
prefeitura — corrigiu Tarso.
16h30
Em mais uma rodada de
entrevistas, foi a vez da prefeitura evitar as responsabilidades. Diante de um
batalhão de cinegrafistas, fotógrafos e repórteres, o prefeito Cezar Schirmer
fez um comunicado oficial de 13 minutos e liberou o acesso a documentos
referentes à boate, que comprovam que o alvará de prevenção e proteção contra
incêndio perdeu a validade em 10 de agosto de 2012. Mas, visivelmente tenso e
cansado, saiu sem responder a nenhuma pergunta. Mais tarde, Schirmer explicou
que não tinha condições, naquele momento, de prestar
esclarecimentos.
— Eu cumpri rigorosamente o meu
dever. Não há como colocar um fiscal ao lado de cada pessoa para ver se ela está
cumprindo a lei. A avaliação das condições de segurança foi atestada pelos
bombeiros — falou Schirmer, horas mais tarde.
16h45
No meio da tarde, porém, após
do pronunciamento do prefeito, o secretário de Governo, Giovani Mânica,
garantiu: — A prefeitura não é responsável.
18h00
Na Delegacia Regional da
Polícia Civil em Santa Maria, uma quarta coletiva de imprensa havia jogado mais
lenha na fogueira.
— Ainda não recebemos nenhum documento do Corpo de Bombeiros
sobre em que fase estava o processo de renovação da licença da boate e se os
requisitos exigidos haviam sido atendidos — disse o delegado regional Marcelo
Arigony.
A promessa era de que essas
informações chegariam ainda ontem aos inspetores. Até as 18h, conforme Arigony,
a espera pela documentação prosseguia.
A impaciência dos policiais com os
bombeiros em enviar os dados era tanta que um delegado sugeriu ingressar na
Justiça para obter o dossiê por força de lei. Foi dissuadido, mas a hipótese não
está descartada. Além de aguardar o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio, os
responsáveis pela investigação solicitaram uma lista de funcionários municipais
responsáveis pela emissão de alvarás e a fiscalização.
19h22
Numa tentativa de amenizar o
mal-estar, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio Abreu, divulgou
nota oficial às 19h22min de terça-feira para prestar “esclarecimentos”.
Em seu
texto, deu a entender que a culpa é dos proprietários do empreendimento. Entre
outros fatores, era dever deles, segundo Abreu, “manter as rotas de fuga
totalmente desobstruídas, o que não ocorreu”.
O que ainda não tem
resposta
- Por que a boate seguiu aberta com o alvará vencido?
- Por que a Kiss foi autorizada a funcionar mesmo sem ter requisitos básicos de segurança?
- Por que as autoridades não mostram o plano de prevenção contra incêndios da casa, que embasou a autorização para o funcionamento?
- Por que os efeitos pirotécnicos eram rotina nas apresentações da banda e não foram coibidos?
(Matéria do Jornal Zero Hora, de Porto
Alegre)
30 de janeiro de 2013
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