O papa Francisco mandou uma mensagem inequívoca para dentro e para fora da Igreja no encontro com jornalistas no Vaticano, sábado passado:
“O papel da imprensa cresceu muito nos últimos tempos, tornando-se indispensável. Vocês têm o compromisso de divulgar a verdade e isso nos torna muito próximos pois a Igreja quer comunicar exatamente isso, a verdade, a bondade e a beleza”.
A descrição aplica-se tanto ao papel desempenhado pela imprensa na denuncia dos casos de pedofilia envolvendo padres e bispos quanto, principalmente, na resistência aos autocratas sul-americanos que, num ambiente de crescente desinstitucionalização, vêm anulando os poderes moderadores do Judiciário e do Legislativo, seja pelo constrangimento direto, como na sua Argentina natal, seja pelo indireto com o recurso à corrupção sistemática, como no Brasil do PT.
A imprensa “tornou-se indispensável” como último refúgio da oposição à onda de violência antidemocrática que, com poucas exceções, assola o continente sul-americano.
É bom saber que não estamos sozinhos nessa luta…
“Vai, Francisco, e reconstrói a minha Igreja que está em ruinas”, foi o que teria ouvido em Assis, do Cristo na cruz, o santo de quem o novo papa tirou o seu nome.
Da Igreja para dentro é gigantesco o desafio que o novo papa enfrentará, assim como a reconciliação dela com um rebanho em dispersão. Para enfrentar esse duplo desafio dosar os limites da ação, para um lado e para o outro, será essencial.
Curiosamente, do muito que se escreveu sobre o novo papa nos jornais brasileiros deste fim-de-semana, o que mais chamou minha atenção saiu da pena de um judeu, Lee Siegel, em artigo para O Estado de S. Paulo (aqui).
Ele fazia duas advertências.
Invocando suas memórias de infância alertava, como filho de uma religião que se expressa em termos preferencialmente racionais, para o perigo de se tornar excessivo o esforço do novo pontífice para desmistificar o papado, lembrando os efeitos indesejados do primeiro grande salto da Igreja nessa direção quando determinou que as missas deixassem de ser rezadas em latim e passassem a ser ditas nas línguas nacionais de cada rebanho.
“Eu tinha inveja de meus amigos católicos. Os ritmos belos e encantatórios do idioma arcaico, o cheiro de incenso, os cantos. O vinho e as velas e hóstias – tudo tornava presente e real o mundo invisível, espiritual, que eu tão ardentemente esperava que existisse como uma alternativa melhor que aquele em que eu habitava mundanamente”.
A razão ordena e a tudo torna inteligível. E ao faze-lo reduz o espaço para a imaginação, a diferença e a individualidade. Apaga a dimensão do sonho que é o espaço onde a religião nada de braçada.
Quem não pensou ainda, ao se deparar com a aridez de um mundo cada vez mais sem mistérios, no sentido da advertência bíblica sobre o gatilho da expulsão dos homens do Paraíso: “Não comerás da árvore do conhecimento”?
A outra advertência de Siegel, de sentido mais prático, trata em termos precisos do primeiro problema concreto com que o papa Francisco terá de se deparar.
“Sem o celibato e as patologias que ele amiude origina, sem as barreiras institucionais erigidas para mulheres, sem a tolerância aos abusos de poder coexistindo com a misericórdia para os impotentes, a mensagem de amor e esperança do catolicismo – única na história humana – seria revigorada e disseminada livremente”.
Nada como um olhar estrangeiro!
Como explicar a enorme expectativa de toda a comunidade humana com relação à eleição do novo chefe de uma igreja (crescentemente) minoritária, traduzida pelo gigantesco aparato de midia que se instalou na Praça de São Pedro nas últimas semanas, senão pelo reconhecimento universal de que “a mensagem de amor e esperança do catolicismo” é a base do que Mario Vargas Llosa descreveu, em artigo recente, como “a ilustre e revolucionária cultura clássica e renascentista que (…) impregnou o mundo com ideias, formas e costumes que acabaram com a escravidão e tornaram possíveis as noções de igualdade, solidariedade, direitos humanos, liberdade e democracia” ou, em outras palavras, a mensagem que está na base do que de melhor a humanidade produziu em todos os tempos?
Ao trocar o acessório (o celibato) pelo principal, a Igreja vem ha séculos derrapando na besteirada em torno do sexo e deixando em segundo plano a sedutora beleza universal da sua mensagem essencial.
Que seja o papa Francisco a resgatá-la desse desvio.
19 de março de 2013
vespeiro
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