"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de abril de 2013

"ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS"


Reportagem de Tai Nalon flagrou o MEC se valendo de contabilidade criativa para inflar os números do Ciência sem Fronteiras, o programa do governo federal que pretende enviar, até 2015, 101 mil alunos para estudar fora do país. Pós-graduandos que tinham bolsas regulares da Capes passaram a ser computados como participantes do Ciência sem Fronteiras.

Não há aí, frise-se, nenhuma irregularidade nem prejuízo para alunos, mas convenhamos que é feio ser apanhado cozinhando números para aparecer melhor na fotografia. Em ciência, manipular dados é prática classificada como má conduta.

O caso se torna ainda mais abstruso quando se considera que ninguém obrigou o governo a adotar metas tão ambiciosas. Ao contrário, desde que o programa foi lançado, em 2011, as vozes mais sensatas vinham apontando para o exagero das dezenas de milhares de bolsas.

Eu próprio escrevi há pouco uma coluna sobre o assunto, citando levantamento da Folha que mostrou que 88% dos graduandos contemplados pelo Ciência sem Fronteiras se encontram em instituições de segunda linha, que não são melhores do que as boas universidades brasileiras. Quando o programa custa R$ 3,2 bilhões aos cofres públicos, esses aspectos são relevantes.

Apesar dessas críticas, é importante destacar que a filosofia do Ciência sem Fronteiras é corretíssima. Precisamos internacionalizar a ciência brasileira e o melhor caminho para isso é levar pesquisadores para fora e estimular a colaboração com instituições estrangeiras.

Em vez de embelezar números, entretanto, o MEC deveria reequacionar o programa, tornando-o mais modesto e eficaz. Para citar apenas um dos vários problemas que o cercam, muitos dos pós-graduandos que voltam não encontram uma posição acadêmica em que possam dar seguimento a suas pesquisas --o que equivale a jogar fora o investimento.

26 de abril de 2013
Folha de São Paulo

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