"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 2 de maio de 2013

LENDA URBANA

 


Jogo combinado ou não - provavelmente não -, fato é que na hora em que o senador Aécio Neves propõe o fim da reeleição e a instituição do mandato de cinco anos, o ex-governador José Serra preparava mais um entre os vários artigos que já publicou em defesa da mesma tese.

O verbo está no passado porque Serra pode ter resolvido suspender o trabalho para não dar a impressão de que embarca em canoa conduzida por Aécio.

Tucanos são cheios de idiossincrasias, sensibilidades à flor da pele. Verdade que a autoria está registrada em declaração de Serra quando candidato: na campanha de 2010 disse com todos os efes e erres que, se eleito presidente, lutaria pelo fim da reeleição e a instituição do mandato de cinco anos.

Era contra, argumenta, desde sempre. Assim como Mário Covas, Serra achava que não era por aí, mas acabou se rendendo à ideia patrocinada pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, de dar ao PSDB uma garantia de mais um mandato. "Para consolidar o projeto" e proporcionar ao eleitor a chance de replicar a aposta feita na eleição anterior.

A intenção, dizia-se na época (1997), era a de assegurar a execução do projeto da estabilidade econômica em um governo que necessitava de mais tempo para consolidar o seu projeto.

Perfeito. Mas, é de se perguntar o que mudou a essência do conceito em 16 anos e quatro eleições presidenciais depois. Nada, a não ser os destinatários do, digamos, benefício.

Se a questão era conceitual, se, como alegaram os inventores, não havia intenções oportunistas por trás da proposta, não há razão alguma para "desinventar" a obra.

A reeleição propicia o uso da máquina estatal em prol dos detentores do poder? Sem dúvida, mas a prática nefasta é anterior a ela. O abuso não é produto da reeleição. Vem de antes e diz respeito ao maior ou menor grau de desfaçatez dos governantes no manejo dos instrumentos de poder. Acabar com ela não acabará com a improbidade.

Portanto, o argumento é um sofisma. E, no caso específico, uma proposta vazia, cujos proponentes sabem que não tem a menor chance de prosperar. Governantes atuais estão muito bem, obrigados, na posse dessa prerrogativa.

Trata-se de uma lenda urbana a ideia de que a reeleição possa vir a ser extinta. No momento, proposta apenas como uma forma de os concorrentes à Presidência trocarem entre si mensagens de apreço para, jogando no tabuleiro a data de 2018, facilitarem acertos em 2014.

02 de maio de 2013
Dora Kramer, O Estado de S.Paulo

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