Chen Guangcheng, 40 anos, cego desde 1 ano de idade, cujo nome de batismo significa "Luz da Honestidade", é um desses milagres da natureza que fazem a gente acreditar que a humanidade é viável, apesar de tudo.
Ele nunca pregou a derrubada do Partido Comunista nem pediu reformas políticas profundas. Limitava-se a entrar nos tribunais da China representando pessoas miseráveis, doentes, deformadas; o lumpen do lumpen do interior do país, sem esperar grande coisa em pagamento, para pedir que o regime cumprisse suas próprias leis.
Guangcheng pôs os pés numa escola pela primeira vez aos 13 anos. Foi o primeiro de cinco irmãos muito pobres a ter educação universitária. Formou-se massagista e acupuntrista numa importante escola de medicina da China porque esta era uma das poucas profissões autorizadas para cegos.
Mas, escondido, frequentava aulas de advocacia e estudava leis, a sua verdadeira paixão. Pessoas de sua família liam os textos para ele.
Desde então é tido quase como um santo pelos miseráveis da China.
Sua desgraça começou em 2005 quando organizou uma ação coletiva contra o governo de sua província para deter as operações de aborto e as esterilizações forçadas que estavam sendo impostas às mulheres da região como parte da "política do filho único" do partido.
A corte recusou sua ação. E quando ele apelou para a imprensa internacional, foi posto em prisão domiciliar e condenado a 3 anos e quatro meses na cadeia.
O advogado que se prestou a defende-lo no julgamento, em 2006, passou a ser espancado na rua. Sua família também foi posta em prisão domiciliar e submetida a espancamentos e humilhações públicas constantes. Sua filha, hoje com seis anos, então pouco mais que um bebê, teve todos os seus brinquedos apreendidos e, todos os dias, quando saia e quando voltava da escola para casa, tinha a sua mochila ostensiva e violentamente revistada.
Qualquer cidadão que tentasse visitá-lo também era espancado e ameaçado. Até Christian Bale, o ator hollywoodiano que tentou visitá-lo com uma equipe da CNN no ano passado foi escorraçado violentamente diante das câmeras.
Depois de 19 meses preso em casa nessas condições, ele fugiu espetacularmente na noite de 22 de abril enganando quase 100 guardas. No dia 26 diplomatas americanos em Pequim, onde chegou ao fim de uma imaginável epopeia, conseguiram abrigá-lo na embaixada.
Na quarta-feira passada, dois dias depois da chegada a esse pedacinho do "mundo livre", porém, ele foi devolvido às autoridades chinesas pela Secretária de Estado Hillary Clinton em pessoa.
Agora eu entendo porque essa senhora disse que Dilma Roussef está estabelecendo "um novo padrão mundial de combate à corrupção".
"O dinheiro", dizia o nosso Nelson Rodrigues, "compra até o amor verdadeiro".
Compra bem mais do que isso.
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