Pesquisa da Febraban mostra que 84% dos entrevistados já ficaram ou estão inadimplentes
Mulheres e jovens têm risco maior de descontrole financeiro
De um lado, a inflação acelerou e apertou a renda do trabalhador, que, por sua vez, já estava com elevado nível de endividamento. Do outro, o governo entrou em ação para segurar a alta do custo de vida e anunciou em abril a primeira de uma esperada série de aumentos na taxa básica de juros, mais um fator a pressionar o orçamento doméstico. E a situação já não estava confortável. Pesquisa feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em parceria com o Data Popular, mostrou que 84% dos usuários do portal de educação financeira da instituição já ficaram ou estão inadimplentes. Jovens e mulheres estão ainda mais suscetíveis a excessos no consumo, segundo a federação.
— É uma ciranda. A tendência do governo é aumentar ainda mais a Selic, como forma de combater preventivamente a inflação. E, para o consumidor, isso é muito caro. Em 30 anos, é muito caro — defende Reinaldo Domingos, autor do livro “Livre-se das dívidas” e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros.
O Indicador Serasa de Inadimplência do Consumidor já havia registrado avanço do endividamento em março (3,6% ante fevereiro), com o primeiro trimestre de 2013 alcançando uma alta de 10,5%. O aumento mensal foi o primeiro do ano, puxado, entre outros fatores, pela alta geral de preços. A elevação da Selic a 7,5% ao ano eleva o custo de dívidas com taxas flutuantes, como o cheque especial, encarece. O consumidor fica, então, com basicamente duas escolhas: retomar os padrões de consumo de antes ou fazer mais dívidas.
— As pessoas demoram um pouco a notar que o dinheiro não está dando. E a tendência é se endividar para manter o padrão de consumo que custa mais caro em função da inflação. Isso é a porta de entrada no endividamento, e estar a um passo da inadimplência — diz o professor de finanças do Ibmec-RJ Gilberto Braga, no segundo capítulo da série de reportagens “Novos hábitos, velhos problemas”, que o site do GLOBO começou nesta segunda-feira para mostrar como o brasileiro está reagindo à alta da inflação e dos juros.
A pesquisa da Febraban mostra que os consumidores disseram que percebem que sua situação financeira melhorou, porque hoje têm acesso tanto a bens de maior qualidade e mais caros (como TV de tela plana, carros bem equipados e celulares com tecnologia de ponta) e porque ingressaram em novas categorias de consumo (com a possibilidade de acesso a restaurantes, planos de saúde e à faculdade).
“A gente se acostuma com o bom”, foi uma das frases ditas por um dos entrevistados e registradas pelos pesquisadores durante o estudo. Mas foi detectada uma percepção generalizada de que “quanto mais se ganha, mais se gasta”, o que aumenta, no cenário atual, o risco de endividamento e inadimplência.
O risco é ainda maior para mulheres chefes de família e jovens de 18 a 25 anos, aponta a pesquisa. Segundo os dados apurados pelo Data Popular, muitos dos jovens entrevistados já parcelaram compras que não poderiam pagar, estouraram o limite do cartão de crédito, fizeram dívidas no cheque especial ou empréstimos para pagar dívidas. Mais suscetíveis às pressões sociais e ao apelo da sociedade, por um lado, eles são mais intempestivos nos gastos, relata Renato Meirelles, presidente do Data Popular. Por outro lado, mostram-se melhor informados financeiramente e mais conhecedores de ferramentas de internet para controlar seus gastos.
Para Meirelles, a escolha mais provável é que o endividamento continue a crescer, mas em níveis menores. Para ele, o consumidor amadureceu, sabe calcular melhor quanto paga de juros e “não está mais perdido no paraíso do consumo”:
— O avanço do consumo não para, porque a metade dos lares brasileiros ainda não tem geladeira, por exemplo. São produtos muito básicos, que as pessoas não querem esperar anos para comprar. O que leva à inadimplência são os pequenos gastos; os grandes são mais planejados. Créditos imobiliário e para automóvel, junto com o consignado, lideram as modalidades de crédito e têm inclusive juros menores graças à baixa inadimplência — lembra Meirelles.
A pesquisa da Febraban/Data Popular ouviu 2.781 pessoas.
14 de maio de 2013
RENATA CABRAL - O Globo
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