Eduardo Cunha é um guerrilheiro chefiando um exército mercenário. Essa foi a melhor definição que ouvi sobre a atuação do líder do PMDB na Câmara na batalha para a aprovação da MP dos Portos.
Interessa a um grupo da própria base governista impor uma derrota ao governo, por razões diversas — desde interesses pessoais contrariados até a defesa de outros interesses, passando por uns poucos que têm realmente posições tecnicamente defensáveis nessa questão tão ampla —, e Cunha apresentou-se como o instrumento para que esse objetivo seja alcançado.
Ele reacende, inclusive, um justo anseio da classe política de se emancipar do Palácio do Planalto ao dizer que na adesão não estava implícita a obrigação de concordar em tudo com o governo.
Cunha já conseguiu emplacar diversas reivindicações na MP, mas insiste em fazer essa emenda aglutinativa para se tornar “aquele” que derrotou o governo.
Como a emenda apresentada reúne propostas de vários deputados, inclusive um do PT, o ex-líder Luiz Sérgio, Cunha tem muitos adeptos para levar adiante sua disputa, com amplas chances de vencer.
Daqui a pouco chegarão ao Congresso outras MPs, algumas importantes como a da mineração, e ele será considerado a pessoa certa para defender interesses que não estejam contemplados na proposta do governo. E quem o governo vai ter que procurar antes, para negociar?
Mesmo que Cunha tenha interesses ocultos na aprovação de sua emenda aglutinativa, como acusa o deputado Garotinho, ele tem uma boa desculpa para continuar indo contra o governo.
O próprio presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, já mudou sua posição. Passou a dizer que seu dever é colocar para votar, e que quem tiver mais votos sairá vencedor, democraticamente. Essa seria a “posição da responsabilidade”.
Com isso, ele quer dizer que o que a Câmara não fará é deixar de votar, o que seria uma demonstração de incapacidade de decidir. Quanto à vitória do governo, embora considere a posição correta a defender, ele não se compromete com ela, considerando que esse não é o seu papel.
Essa nova posição do PMDB, de eventual independência do Planalto, aumenta a importância política do partido num momento delicado para o governo. Ao mesmo tempo, há movimentos dentro da base para desestimular a negociação do Planalto com o grupo liderado por Cunha, pois esse gesto seria a admissão de fraqueza do governo.
Há quem queira ampliar o apoio à medida provisória do jeito que veio — o que seria o ideal para o governo — ou o projeto de conversão, que acatou algumas emendas negociadas no plenário. O apoio da oposição está sendo buscado com o argumento de que se trata de uma questão de Estado que não deve ser vista partidariamente.
Mas até isso está difícil, pois a oposição, que estava inicialmente disposta a apoiar a medida provisória do Governo, agora está se aproveitando da confusão da base aliada para retirar seu apoio, sob a alegação de que a votação está sob suspeita desde as acusações feitas por Garotinho da tribuna da Câmara.
A oposição passou a exigir uma investigação pelo Conselho de Ética antes de o assunto ir à votação, numa clara manobra para tumultuar ainda mais o ambiente político.
Há ainda outra razão de desentendimento na base governista com a ameaça do Planalto de fazer as mudanças através de decretos e instruções normativas que prescindam da aprovação do Congresso.
Essa ameaça açula os ânimos já exaltados dos parlamentares, que enxergam nela uma tentativa de anular a atuação dos políticos. Essa tem sido uma tática frequente quando o governo perde alguma votação no Congresso.
Recentemente o Planalto mandou para a Câmara uma MP proibindo os sabores nos cigarros, rejeitada porque o Congresso considerou que ela deveria vir em projeto de lei. O governo optou então por usar uma resolução da Anvisa para obter o mesmo efeito.
Quando funcionários de uma agência reguladora substituem o Congresso, é preocupante.
14 de maio de 2013
Merval Pereira, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário