"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 25 de junho de 2013

O ZEITGEIST FINANCEIROS

    
          Artigos - Cultura 
Sofremos todos os sintomas da Antiguidade decadente. Estamos perdendo nossa religião, nos desprendendo dos nossos valores morais e já perdemos nosso senso comum. Assim como na Roma antiga, nossa taxa de natalidade está decaindo e nossas legiões estão reduzidas em tamanho e número enquanto os bárbaros se multiplicam.

 Ralph Nelson Elliott apresentou a teoria do Grande Superciclo, que por sua vez representa um período de crescimento relativamente firme do mercado financeiro seguido de um colapso. Ainda assim, é possível visualizar uma perspectiva mais abrangente, tal como a de Brooks Adams (o famoso irmão de Henry Adams e neto de John Quincy Adams), que visualizou um ciclo ainda mais abrangente de crescimento e declínio econômico. Em seguida, veio o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que interpretou o movimento da história como algo mais que apenas ciclos repetitivos. Hegel descreveu uma “fenomenologia do espírito” que produz sucessivas mudanças nas "verdades" que nos guiam; por exemplo, podemos ir de Adam Smith à atomização e depois reagirmos contra a atomização.
Mas primeiro comecemos vendo a perspectiva do ciclo maior. Peter Chardon Brooks Adams (nascido em 24 de junho de 1848) sugeriu que as civilizações mercantis estão sujeitas a ciclos previsíveis. Em 1900, Adams previu que Nova York se tornaria eixo central das finanças globais; ele também acreditava que isso sinalizaria o começo do fim da civilização americana. Em 1895, Adams escreveu um livro intitulado The Law of Civilization and Decay com a intenção de provar que a história é cíclica, sendo que o foco do livro era a história econômica.
Adams demonstrou como algumas tendências de decadência econômica das antigas civilizações (nomeadamente a greco-romana) já estavam afligindo a humanidade na década de 1890. Dentre essas tendências estava a centralização política, a desvalorização da moeda, o aparecimento de grandes cidades com pequenas fazendas sendo transformadas em grandes produtoras de alimentos, aumento da dívida interna, a ascensão do poder monetário e a sobreposição dos interesses monetários acima de todos os outros. Para Adams, a destruição da civilização necessariamente coincide com a ascensão das elites financeiras. Banqueiros e financistas inevitavelmente substituíram a aristocracia rural e as eminências pardas. Isso indicou o colapso dos velhos valores em prol de um materialismo cru.
Adams parecia estar falando que quanto mais buscamos os bens materiais, mais superficiais e cruéis nos tornamos; eventualmente, essa superficialidade e essa crueldade resultariam em um colapso econômico. Curiosamente, nossa obsessão econômica pode de fato ser a base da nossa queda; a ideia de os homens darem mais e mais importância em fazer dinheiro em uma sociedade cada vez mais dependente de dinheiro acaba por se tornar loucura. Isto é dizer que a base de uma sólida economia é fundada em algo mais profundo e mais fundamental que a economia. Aristóteles, talvez, argumentaria que o sucesso vem da busca pelo bem. Ao se conseguir alcançar o bem, o dinheiro vem como consequência. Mas hoje em dia revertemos a própria ordem. E essa reversão diz-se que acontece ciclicamente.
Mas a história é meramente cíclica? É evidente que há algo mais complexo envolvido. Foi a filosofia da história de Hegel que propôs a existência de um espírito (Geist) guiador subjacente por trás da ascensão e queda das civilizações. Isso pode parecer algum tipo de perspectiva supersticiosa da história, mas Hegel não estava oferecendo espiritismo ou propondo algo na linha de ‘O Nosso Planeta Assombrado’ de John A. Keel. Em vez disso, ele estava sugerindo que a história do mundo representa o progresso da consciência da liberdade através daquilo que ele chamou de “fenomenologia do espírito”. A proposta de Hegel refere-se à ideia de que toda ação dá origem a uma reação diametralmente oposta – uma simplificação da terceira lei de Newton, exceto pelo fato de que Hegel estava falando da consciência e não da matéria. Considere a seguinte simplificação: cada época supõe ingenuamente ter achado ‘A Resposta’; e cada época acaba descobrindo que sua resposta não está de todo correta, levando assim àquilo que Hegel chamou de “negação determinada”.
Acredite ou não, podemos rastrear a emergência de uma negação determinada na Roma Antiga. Edward Gibbon insinuou que essa negação determinada destruiu o Império Romano de uma vez por todas. E não devemos ficar surpresos ao sabermos que Karl Marx ofereceu seu “materialismo dialético” como uma negação determinada da modernidade capitalista. Pode ser dito que o século XXI carrega uma proeminente semelhança ao século IV. Em ambos os séculos, vemos uma nova religião emergindo nas cidades a despeito do “nativo ignorante” (i.e., pagãos no século IV e cristãos atualmente). Hoje, a religião secular (o socialismo) está varrendo para longe o cristianismo da mesma forma que o cristianismo varreu para longe o paganismo 17 séculos atrás.
O iminente declínio em longo prazo na nossa economia, coincidindo com a destruição da velha religião, também se reflete na arte e na poesia. “Nenhum poeta pode florescer no árido solo moderno”, escreveu Adams, “o drama morreu e os patronos da arte não percebem mais o quão vergonhoso é a profanação de ideais sagrados. O sonho extático, esculpido em pedras por alguns monges do século XII, que então ficavam no santuário sagrado junto da presença do Deus deles, foi reproduzido como adorno de um armazém; ou mesmo a planta de uma abadia (...) é adaptada para construir uma estação de trem.”
Há um tipo especial de inspiração que propicia uma grande economia. O produtor não é simplesmente uma pessoa que corre atrás do dólar todo-poderoso. O verdadeiro produtor é inspirado a construir algo com cuidado e fidelidade. Ele não quer fazer algo inferior para poder enganar seus compradores. Ele se orgulha da sua produção em toda sua mestria. Não se trata de dinheiro, embora ele tenha um papel importante a desempenhar. Trata-se da mente ou espírito que anima o homem que trabalha e constrói. É isso que precede o derradeiro sucesso de uma geração ou era.
Eu diria que há, de fato, um ciclo ou passagem do espírito. Eu diria, além disso, que esse ciclo é marcado é marcado por um ponto crítico. Também acredito que estamos entrando na mira do maior ponto crítico de todos os tempos. Sofremos todos os sintomas da Antiguidade decadente. Estamos perdendo nossa religião, nos desprendendo dos nossos valores morais e já perdemos nosso senso comum. Assim como na Roma antiga, nossa taxa de natalidade está decaindo e nossas legiões estão reduzidas em tamanho e número enquanto os bárbaros se multiplicam. Estamos sendo comandados por demagogos e manipuladores da comunidade. O núcleo familiar está corrompido, o aborto prevalece, o adultério é um lugar-comum, a paternidade está denegrida e as autoridades ridicularizadas.

Não é de se surpreender que os prognósticos cambaleiem de uma incerteza para outra de modo que todas as grandes mentes acabaram por adotar o pessimismo. É o Zeitgeist, o espírito de época.
Publicado no Financial Sense.
25 de junho de 2013
Jeffrey Nyquist
Tradução: Leonildo Trombela Júnior

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