Nas democracias, vamos dizer, normais, quando um partido político, especialmente o que está no poder, quer dizer alguma coisa, defender um ponto de vista, polemizar enfim, escolhe um de seus representantes para o debate, emite uma nota oficial, vai à praça pública fazer proselitismo etc. E, como é sabido, basta se manifestar, e a imprensa se encarregará de noticiar o que pensa e quer.
No Brasil, é diferente; por aqui, já convivemos com o sotaque bolivariano: o subjornalismo a soldo, financiado por estatais como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, fala em nome do partido — no caso, do PT. Numa democracia convencional, esse tipo de comportamento seria considerado criminoso porque, afinal, a CEF e o BB não pertencem ao PT, mas ao povo brasileiro.
Assim, é incrível que financiem páginas, algumas de espantosa delinquência, dedicadas principalmente a atacar partidos e representantes da oposição e veículos e jornalistas da suposta “mídia burguesa”. Até parece que os picaretas financiados são, sei lá, dignos representantes da classe operária.
Há entre eles os que já foram de um antipetismo feroz; agora, são ferozes com os que consideram antipetistas. Entre um momento e outro, existem o balcão e o caixa. Adiante. Os que caem nesse tipo de conversa se autodefinem, não é?
Leitores me enviem uma dessas delinquências, a sustentar que eu defendi a aplicação da Teoria do Domínio do Fato para condenar José Dirceu, mas me mostraria contrário a essa tese quando aplicada contra o vereador Andrea Matarazzo (PSDB-SP), indiciado pela Polícia Federal, acusado de envolvimento em suposto pagamento de vantagens indevidas pela Alstom.
Já escrevi três textos a respeito. Expliquei quais são os absurdos essenciais no caso de Matarazzo:
a: há um e-mail de executivo da Alstom sugerindo pagamento de vantagens à Secretaria de Energia de São Paulo. O e-mail é de 1997. Matarazzo só se tornou secretário — e por sete meses — no ano seguinte.
b: o caso que serviu para a PF indiciá-lo é um contrato de R$ 72 milhões para o fornecimento de equipamentos para a EPTE, uma das empresas de energia. Por determinação legal — e não mais do que isso —, o secretário acumula o cargo de presidente do conselho dessas empresas. Junto com um batalhão de pessoas, diga-se. Mas não assina contratos ou interfere em decisões dessa natureza.
Assim, Matarazzo foi indiciado por quê? Só porque era secretário? Isso não é Teoria do Domínio do Fato coisa nenhuma! Ou é Teoria do Domínio da Perseguição Política ou é Teoria da Falta de Domínio do Fato. Em direito, na verdade, tal prática se chama “responsabilização objetiva” — repudiada em toda terra civilizada. A ser assim, Dilma Rousseff é pessoalmente responsável por toda as safadezas que se descobrem em seu governo. Por quê? Porque é a chefe, ora!
NÃO É O CASO DE DIRCEU!
“Ah, mas com José Dirceu foi a mesma coisa!” Não foi, não! Só repete esse mantra quem, afinal de contas, está sendo pago com o capilé estatal para repeti-lo.
Quem disse que a Teoria do Domínio do Fato dispensa provas? Elas são necessárias, ainda que sejam as chamadas provas indiretas. De fato, Dirceu não assinou recibo, como deixou claro o processo do mensalão.
Mas não custa lembrar: há não uma, mas muitas delas contra o chefão do PT. Parlamentares disseram em juízo que os acordos com Delúbio Soares tinham de ser referendados pelo então ministro; ficaram evidentes suas relações com os bancos BMG e Rural, como atestam depoimentos da banqueira Kátia Rabello; foi ele um dos articuladores da reunião, em Lisboa, entre Marcos Valério, um representante do PTB e dirigentes da Portugal Telecom; mensaleiros atestam ter se reunido na Casa Civil.
O Artigo 239 do Código de Processo Penal trata das provas indiciárias: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
Transcrevo trecho do voto do então ministro Ayres Britto, ao condenar Dirceu:
“(…) os fatos referidos pelo Procurador-Geral da República (…) se encontram provados em suas linhas gerais. Eles aconteceram por modo entrelaçado com a maior parte dos réus, conforme atestam depoimentos, inquirições, cheques, laudos, vistorias, inspeções, e-mails, mandados de busca e apreensão, entre outros meios de prova. Prova direta, válida e robustamente produzida em Juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais e processos administrativos, porém conectadas com as primeiras em sua materialidade e lógica elementar(…)”
Pergunta-se
Contra Matarazzo há o quê, além do fato de que ele foi secretário de Energia? Interferiu no tal contrato? Fez alguma articulação em seu favor? Reuniu-se com a turma da lambança? O próprio inquérito deixa claro que não.
Contra Matarazzo há o quê, além do fato de que ele foi secretário de Energia? Interferiu no tal contrato? Fez alguma articulação em seu favor? Reuniu-se com a turma da lambança? O próprio inquérito deixa claro que não.
Finalmente
Finalmente, noto que as penas a soldo acabam se traindo. Quando cobram de mim que empregue para analisar o caso Matarazzo os mesmos critérios que emprego para analisar o caso Dirceu, estão partindo do pressuposto de que são situações idênticas. Bem, como evidencio acima, não são! Mas digamos que fossem…
Observo que eles acham que seu chefe espiritual é inocente, certo? Logo, estão partindo do pressuposto de que Matarazzo também o é. Assim, ao sustentar a igualdade das situações, cobram de mim que, em nome da isonomia, peça a punição de alguém que eles próprios admitem, então, não ser culpado.
Ocorre que eu estou dizendo que não existem motivos para indiciar Matarazzo e que há uma penca deles para condenar Dirceu. No caso do petista, com efeito, aplica-se a Teoria do Domínio do Fato porque restou provado que ele tinha o… domínio do fato! No caso do vereador tucano, o que se tem é a sustentação de que ele é culpado só porque, em algum momento, foi secretário de Energia.
Desde que explodiu o mensalão, o PT e seus serviçais se dedicam à tarefa de provar que, se eles não prestam, então ninguém presta. O jornalismo que se deixa patrulhar por essa escória pode se intimidar e cair nessa. Eu não caio, não!
13 de agosto de 2013
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