As prévias eleitorais na Argentina - as chamadas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) - foram criadas em 2009 (e adotadas pela primeira vez em 2011) para democratizar a formação das listas partidárias para o Congresso. Como diz o seu nome, todos os argentinos aptos a votar devem ir às urnas nos anos de eleições parlamentares a fim de escolher entre as diversas relações de candidatos que lhes forem submetidos pelas legendas ou coligações.
Em outubro próximo, metade da Câmara dos Deputados (127 cadeiras) e um terço do Senado (24 lugares) serão renovados. Ocorre que praticamente todas as agremiações burlam o esquema, apresentando apenas uma lista fechada.
Em consequência, o Paso acaba tendo duas outras funções: como instrumento de ratificação das candidaturas definidas no âmbito das siglas e, principalmente, como a mais ampla pesquisa nacional de intenção de voto. Domingo, para se ter ideia, cerca de 20 milhões de eleitores, ou 70% do total, foram manifestar as suas preferências nas urnas (onde as cédulas ainda são de papel).
E o resultado decerto causou calafrios na Casa Rosada da presidente Cristina Kirchner, em contraste com as temperaturas relativamente amenas desses dias de inverno portenho. Embora divididas, como de há muito, as oposições infligiram ao kirchnerismo uma derrota histórica, não obstante as caras e bocas de falso otimismo da presidente no final da jornada.
As listas da coligação oficial Frente Pela Vitória (FPV), encabeçadas pelos mais vistosos aliados de Cristina, foram batidas nos principais dos 24 colégios de eleitores, da Província de Buenos Aires à de Santa Cruz, na Patagônia - berço político do falecido presidente Néstor Kirchner, que a governou durante 11 anos - passando pela capital federal propriamente dita, e ainda Santa Fé, Mendoza e Córdoba. Segundo as apurações preliminares, que configuravam desde o início uma tendência firme, 4 em cada 5 argentinos rejeitaram o oficialismo.
Em 2011, para comparar, Cristina se reelegeu com 54% dos votos. Na Província de Buenos Aires, o tradicional feudo kirchnerista onde vivem perto de 38% dos eleitores do país, o líder da lista da FPV, Martín Insaurralde foi superado pelo adversário da Frente Renovadora, Sergio Massa, por algo como 6 pontos de diferença.
O resultado foi duplamente significativo. Primeiro, porque Cristina trabalhou escancaradamente por Insaurralde, a ponto de levá-lo a tiracolo ao Rio de Janeiro, quando da visita do papa Francisco, apenas para que pudesse ser fotografado junto do mais popular dos argentinos.
E, segundo, porque Massa desponta desde já como presidenciável em 2015, capaz de reunir as facções peronistas que se apartaram do governo e mesmo setores insatisfeitos do kirchnerismo. É o caso do próprio Massa, que chefiava nada menos do que o gabinete de ministros de Cristina, antes de romper com ela, estrepitosamente, há poucos meses.
Já na cidade de Buenos Aires, com 9% do eleitorado nacional, o senador kirchnerista Daniel Filmus perdeu para Gabriela Michetti, da Proposta Republicana de centro-direita, do velho rival, o prefeito Maurício Macri. E na Província de Córdoba, a FPV mal chegou a 15% dos votos - o pior desempenho da história do kirchnerismo e da sigla que se vangloriava de ser a mais forte da Argentina. Em outubro, o governo até poderá manter a maioria de que desfruta na Câmara.
Mas, a julgar pelo duro revés que acaba de sofrer - e se as oposições não se entredevorarem -, Cristina ficará longe de ter, em cada casa do Congresso, os 2/3 dos assentos de que necessitará para aprovar a reforma constitucional chavista de seus sonhos: a reeleição ilimitada.
Se muitos argentinos parecem fartos do desgoverno da presidente - com a economia em crise, a inflação em alta e as incessantes evidências de corrupção acobertada -, uma parcela talvez ainda maior da população se cansou do estilo da viúva em luto permanente. O seu pendor pelo confronto, herdado do marido, a capacidade de fazer inimigos e a sua conhecida soberba exasperam os aliados. É de duvidar que tire as lições devidas do fiasco de domingo.
13 de agosto de 2013
Editorial do Estadão
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