"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 26 de julho de 2012

LEMBRANDO VIEIRA DE MELLO

Em setembro de 73, quando os golpistas do general Pinochet, a serviço dos Estados Unidos, bombardearam o palácio de La Moneda, em Santiago, levaram à morte o bravo presidente Allende e puseram o Chile numa ditadura brutal, milhares de estrangeiros refugiaram-se nas embaixadas.

Na da Argentina, empilharam-se mais de 900 chilenos, uruguaios, peruanos, venezuelanos, colombianos, bolivianos, e dezenas de brasileiros já exilados pela ditadura dos generais daqui.

No fim de outubro, aviões militares argentinos começaram a levar os asilados. Entre os brasileiros, Fernando Gabeira, Moema Santiago (ex-deputada do Ceará), Maurício Paiva (professor mineiro, autor do pungente “O sonho exilado”), Domingos Fernandes (depois secretário-geral do PV), Carlos Fayal (ex-deputado estadual no Rio), Almir Dutton (o médico carioca que fez plástica no capitão Lamarca), muitos outros.

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JOGAR NO MAR

Logo no avião, um coronel argentino ameaçou com um crime que depois se tornaria banal na ditadura Argentina:
- Fiquem quietos, senão abrimos a porta e jogamos vocês lá embaixo.

Ao invés de Buenos Aires, o avião desceu de madrugada em Corrientes, na fronteira com o Brasil e Uruguai. Passaram por um corredor polonês de luzes absurdamente fortes, para ninguém reconhecer ninguém, e foram filmados e interrogados durante horas seguidas por militares dos três países.

Chegaram enfim a uma Buenos Aires conflagrada pela reação popular, que em maio de 74 obrigou o general Lanusse a entregar o poder a Hector Campora, laranja de Perón, a quem Campora passou o governo em outubro.

Perón morreu oito meses depois, em julho de 74, deixando o governo para a mulher, a tonta Isabelita Perón, uma Isabelita dos Patins tangada.

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ANJO DA GUARDA

Foram meses desesperadores, porque os brasileiros não podiam voltar para o Brasil, o Uruguai não queria receber mais exilados, a Europa não respondia aos pedidos de asilo e a Argentina não liberava as saídas.

O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur), dirigido pelo solidário sr. Hasselmann, pôs os brasileiros em um pequeno hotel ao lado da Plaza de Mayo. De repente, tragédia: começaram a desaparecer brasileiros. Cada dia, era um que sumia: Onofre, os irmãos Daniel e Joel Carvalho, José la Vechia, Víctor.

Foi quando chegou a Buenos Aires um anjo da guarda, Sérgio Vieira de Mello, 25 anos, jovem funcionário da ONU (onde entrou, por concurso, em 69), e que estava no também tumultuado Peru, a serviço da Acnur.

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ASILOS NA EUROPA

Ao saber da situação dos brasileiros na Argentina, Sérgio Vieira de Mello foi para lá, fez reuniões com eles e começou a resolver as situações, conseguindo asilos em diversos países: Suécia, Noruega, Portugal, França etc.

Logo surgiu um grave problema. Os militares argentinos exigiam que os brasileiros viajassem para a Europa pelo Atlântico. Mas isso significava fazer escala no Rio e em São Paulo, cair na boca do lobo. Os brasileiros queriam pelo Pacífico: Peru, Panamá e Europa. O governo argentino não aceitava.

Vieira de Mello acabou conseguindo tirar da Argentina, pelo Pacífico, e levar para a Europa, os exilados fugidos do Chile e ameaçados pelas ditaduras do Cone Sul: Brasil, Uruguai e Argentina.

Na magnífica entrevista do ano passado a Marília Gabriela, repetida em agosto de 2003 quando ele foi morto no atentado, Vieira de Mello disse que a mais bela palavra era “justiça” e a mais feia “violência”. Viveu e morreu a serviço de uma contra a outra.
Um grande brasileiro, um grande cidadão do mundo.

Sebastião Nery
26 de julho de 2012

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