‘Eu só fui a ponta do iceberg’, diz delator da venda de pareceres. Cyonil Borges afirma que esteve só uma vez com Rosemary Noronha
Cyonil Borges, o ex-auditor que denunciou à Polícia Federal (PF) a venda de pareceres no governo federal, enfrenta sindicância no Rio e afirma que há pressão para encontrar falhas em sua vida e desacreditar acusações. Enquanto isso, diz viver cotidiano de tensão.
Em algum momento o senhor se arrependeu da denúncia que levou à PF?
Uma coisa é pegarem você no “flagra”, e você ter que provar que nada fez. Outra é, espontaneamente, levar fatos à PF, com documentos e provas. Provas, aliás, que continuei amealhando após a denúncia. Muitos dos e-mails trocados com Paulo Vieira (ex-diretor da Agência Nacional de Águas) foram deliberadamente escritos por mim e juntados após a denúncia. Apesar da pressão, nunca me arrependi.
O senhor recebeu ameaças?
Diretamente, não. Minha esposa cismou que estava sendo seguida por motociclistas. Isso já foi levado à PF. Estou estressado. Cheguei a ter paralisia facial. Fui parar no hospital.
Como avalia a sindicância na Secretaria Estadual de Fazenda do Rio para avaliar sua conduta profissional?
Parece haver uma pressão para encontrar alguma falha a meu respeito, como se o problema fosse eu e não os graves fatos.
Paulo Vieira diz que nunca pagou nada a ninguém.
Vai dizer o quê? Confessar? Talvez lá na frente, mas agora deve estar sob o impacto de tudo o que foi revelado. Eu só fui a ponta do iceberg. Não é à toa que ele está preso. Não para de cometer crimes.
Viera também diz que não conversou sobre José Dirceu com o senhor.
Ele pode dizer o que quiser, mas a verdade é a verdade. Não me cabe incriminar o Paulo. É um papel do Ministério Público.
Qual era a relação de Viera com Dirceu?
Segundo o Paulo, ela existia. O grau de proximidade, não posso dizer.
Nos e-mails interceptados, o senhor pede dinheiro para um apartamento.
Esse e-mail foi feito e entregue à PF por mim. Quem não conhece os fatos pensa que eu, efetivamente, pedia dinheiro ao Paulo. Isso é ridículo. A PF sabe que essa seria a estratégia, tanto que sequer foi cogitada a hipótese de meu indiciamento. Jamais fui corrupto. Não tenho imóvel próprio. Moro de aluguel.
O senhor tratava Vieira como mentor.
Fui vendedor de picolé, mecânico, oficial da Marinha. Tive dificuldade financeira para estudar, mas jamais desisti. Entrei no TCU. Hoje sou professor e tenho livros. Paulo nunca foi responsável por isso. Essa ideia de mentor é extraída do fato de que continuei a falar com ele por e-mail e, como queria provas, o elogiava.
O senhor conhece Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência?
Conheci no gabinete, pelo Paulo. Foi um oi, boa tarde. Nada mais.
Ao tomar empréstimo e colocar o valor à disposição da Justiça, queria compensar ato anterior que poderia ser considerado ilícito?
Aí entrou o imponderável. Minha mulher — que não sabia de nada — descobriu o dinheiro. Como jamais quis envolvê-la, disse que era de cursinho. Ela começou a gastar, e fiquei desesperado. Não vi alternativa que não fazer empréstimo e devolver à Justiça. Nessa época, pagava prestações do carro. Se fosse corrupto, teria usado dinheiro para isso. Quem quer propina, num negócio de milhões que envolve a Tecondi, não recebe assim, na portaria. Recebe em conta lá fora, por terceiros ou de outra forma. Ouvi dizer algo como: Cyonil se arrependeu porque não recebeu o restante e, por isso, denunciou. Eu colocaria minha carreira à prova, arriscaria minha vida e me submeteria a todo tipo de pressão, sem falar nas consequências profissionais, tão somente porque o acordo de me entregar o restante não fora cumprido? Denunciei porque não compactuo com vagabundos.
01 de dezembro de 2012
Cristina Tardáguila, Thiago Herdy e Tatiana Farah - O Globo
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