Quem não se lembra do então presidente Lula, incomodado com os artigos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicava (e ainda publica) na imprensa, advertindo seu antecessor quanto ao comportamento adequado a um “ex”?
Lula dizia que um ex-presidente deveria sair de cena, calar-se, desvincular-se do jogo político e só se manifestar quando consultado. Deveria, isso sim, cuidar dos netos.
Prometia também que, ao deixar o cargo, poria em prática o que estava dizendo: iria vestir um bermudão, tomar umas pingas com os amigos em São Bernardo e curtir a família.
Bem, esta semana, o ex-presidente Lula, que ainda não deu sinais de que cumprirá tal receituário, reuniu-se com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a cúpula da prefeitura, para estabelecer as diretrizes políticas e administrativas da nova gestão municipal. Nada menos.
O professor Lula foi ensinar seu pupilo Haddad a governar. Não satisfeito, já agendou sua próxima investida no magistério político. Na próxima segunda, sob o patrocínio do Instituto Lula, reunirá ministros de Estado, intelectuais petistas e convidados estrangeiros para uma aula de política externa.
Não se sabe se a presidente Dilma comparecerá. Mas seu governo estará lá. Não importa aqui analisar o conteúdo das aulas de Lula. É claro que ele nunca foi especialista nem em diretrizes administrativas, nem em política externa. Não é um teórico.
Sua especialidade é midiática, ocupação de espaços de visibilidade pública. Nos seus dois mandatos, jamais se passou um dia em que sua imagem não estivesse nos telejornais.
Construiu assim o seu próprio mito, que agora tenta reavivar, diante dos estragos que lhe causaram exposições negativas como a do Mensalão. Não há dúvida de que põe em cena a tese de que a melhor defesa é o ataque.
Ao tempo em que exerce o papel de professor/consultor de governos, anuncia que retomará viagens por todo o país, como o fez ao tempo das caravanas da cidadania, quando era oposição e construía sua caminhada para o Planalto.
Com isso, pretende inibir ações investigativas do Ministério Público, tendo em vista as denúncias de Marcos Valério, de que teria sido beneficiário do Mensalão.
Revivendo o mito Lula, espera ter a opinião pública a seu lado e repetir o que ocorreu em 2005, quando o procurador-geral da República, Antonio Fernandes de Souza, o excluiu da denúncia do Mensalão, receando a reação popular. Livre do imbróglio, reelegeu-se.
Paralelamente, recoloca, com essa estratégia, o seu nome na órbita sucessória, embora, obviamente, o negue, já que não lhe convém ter a presidente Dilma em rota de confronto.
Mas é óbvio que a exposição pública que pretende torna essa hipótese presente.
A popularidade de Dilma depende da economia, que não dá sinais alentadores, embora seu impacto ainda não seja percebido na sua real dimensão.
Não havendo reversão, a tendência é a queda de popularidade, circunstância em que Lula volta a ser o nome do PT, para a preservação do poder.
Isso não é novidade: Lula já havia dito que, estando bem, Dilma será a candidata, o que deixa claro que, não estando, não será. E será quem? Ora, um doce para quem adivinhar.
É nessa perspectiva que a reaparição de Lula, como consultor de governos, deve ser vista e entendida.
Quanto ao Lula do bermudão, tomando pinga em São Bernardo, ao lado dos netos, é uma figura tão fictícia quanto a do Lula professor.
19 de janeiro de 2013
Ruy Fabiano é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário