Ao dar seguidos tiros no pé, o governo só tem contribuído para a perde de credibilidade da política fiscal, fragilizando a economia brasileira em momento delicado
A política fiscal no Brasil está em descrédito, a ponto de essa desconfiança já se refletir no conceito atribuído ao país pelas agências internacionais de classificação de risco.
Como reação a esse descrédito, declarações recentes da presidente Dilma e de autoridades fazendárias pareciam demonstrar que o governo iria este ano abandonar a chamada “contabilidade criativa”, pela qual buscara “melhorar” a aparência dos resultados das finanças públicas nos últimos dois exercícios.
Admitindo que o esforço fiscal será menos ambicioso em 2013 — superávit primário fixado em 2,3% do PIB e não em ilusórios 3,1% —, o governo prometeu atingir as metas recorrendo a um cálculo convencional, como, aliás, era feito no passado, quando o ajuste nas finanças públicas se tornara uma questão de sobrevivência da economia brasileira.
Mas não basta o discurso, pois o governo está naquela condição da mulher de César: tem de provar sua sinceridade.
Surpreendentemente, sob o pretexto de agilizar transferências de recursos entre o Tesouro e o BNDES (banco de fomento integralmente controlado pela União), o governo mudou regras relativas ao recolhimento de dividendos pela instituição financeira.
Essa mudança deve originar uma receita extraordinária de R$ 1,2 bilhão para o Tesouro, mas é, outra vez, um truque no mesmo espírito da “contabilidade criativa” que desencadeou esse processo de perda de credibilidade da política fiscal.
Ao persistirem nessa prática, as autoridades econômicas não conseguirão convencer quem quer que seja da seriedade da política fiscal no Brasil. Não é por conservadorismo ou simples antipatia ao governo Dilma que as críticas à política fiscal se acumulam.
A inflação está em patamar perigoso, no topo da meta que o Banco Central tem a missão de alcançar (6,5%). O xadrez da economia mundial está passando por um momento de mudanças expressivas, com os Estados Unidos voltando a atrair capitais, enquanto a China perde fôlego.
Nesse quadro, os mercados financeiros se agitam, e as economias que estiverem em posição mais fragilizada podem sair chamuscadas. O risco de a inflação fugir ao controle, em tal conjuntura, não é desprezível, por pressão da desvalorização da moeda nacional. E isso sem que o país consiga sair da armadilha do baixo crescimento.
É uma questão tão séria que o Banco Central resolveu adotar, internamente para avaliação dos rumos da economia, uma metodologia que acompanha a evolução das receitas e despesas do setor público sem levar em contar essas receitas e despesas extraordinárias, incluindo as resultantes da “contabilidade criativa”. Fica difícil entender porque o governo insiste em dar tantos tiros no pé.
03 de julho de 2013
Editoral de O Globo
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