Com elegância e discrição a mineira Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostrou na nota oficial distribuída após a reunião com os presidentes dos TREs de todo o país os empecilhos, legais e políticos, para a realização do plebiscito sobre a reforma política, que na prática o inviabilizam.
E ainda, citando o também mineiro poeta Carlos Drummond de Andrade, advertiu para os perigos da caminhada: “Cuidado por onde andas, pois é sobre meus sonhos que caminhas".
Não foi à toa a citação do poeta, o que a ministra Cármen Lúcia queria humanizar a decisão do TSE, colocando-se em sintonia com a voz das ruas: “O sonho do povo brasileiro é a democracia plena e eficiente. O dever do juiz é garantir o caminho do eleitor para que o sonho venha a ser contado para virar a sua realidade”.
São dois os problemas básicos que a nota do TSE destaca: é preciso atentar para a data fatal de um ano antes da eleição, limite para a alteração das regras do jogo. Esse limite é uma das cláusulas pétreas da Constituição, que não podem ser alteradas. O outro problema é que não é possível consultar o povo sobre temas que exigem mudanças constitucionais para virarem realidade.
Da lista de sugestões da presidenta Dilma Rousseff para a consulta popular, encaminhada ontem ao Congresso, o tipo de sistema eleitoral, com voto proporcional ou distrital, e o fim da suplência de senador são temas que não podem entrar no plebiscito por exigirem alterações constitucionais.
Como explica a nota do TSE, “a Justiça Eleitoral não está autorizada constitucional e legalmente a submeter ao eleitorado consulta sobre cujo tema ele não possa responder”.
O prazo para alterações nas regras eleitorais se encerra no dia 5 de outubro, um ano antes da eleição de 2014. Como o Tribunal Superior Eleitoral definiu um prazo mínimo de 70 dias para a viabilização do plebiscito, a partir do momento em que o Congresso decida a sua realização, com a aprovação das perguntas a serem feitas na Câmara e no Senado, quase não sobraria tempo para que a nova legislação fosse aprovada dentro do prazo legal.
Como exemplo, a nota define o dia 1º de julho como o início do processo, e estabelece que a partir de 8 de setembro poderia se realizar o plebiscito. O Congresso teria nesse caso em torno de 20 dias para redigir a nova legislação eleitoral e aprová-la nas duas Casas.
Como já estamos no dia 3 de julho e o processo nem começou, é razoável supor-se que, se decidisse realizar o plebiscito — o que já parece fora de cogitação — o Congresso levaria várias semanas para chegar a um consenso e montar as perguntas.
O TSE adverte ainda para outra dificuldade, a de realizar o plebiscito sem que ele possa gerar consequências nas eleições imediatamente posteriores. Diz a nota que “A Justiça Eleitoral não está autorizada constitucional e legalmente a submeter ao eleitorado consulta (...) que da resposta formalmente apurada não haverá efeitos, no pleito eleitoral subsequente, o que pode ser fator de deslegitimação da chamada popular”.
Isso quer dizer que não adianta fazer um plebiscito se suas decisões não puderem ser utilizadas na eleição de 2014. Seria mobilizar uma imensa máquina pública e gastar dinheiro inutilmente, pois essas reformas não poderiam ser utilizadas a partir de 2016, como muitos sugeriram. Pelo menos não como consequência do plebiscito.
Já existe um movimento, que une pelo menos PMDB e PSB, para que o plebiscito sobre a reforma eleitoral seja realizado em 2014, juntamente com as eleições, para ser utilizado a partir da eleição de 2016. Esse pode ser o melhor momento, quando os partidos políticos e os eleitores estarão mobilizados pelas eleições.
03 de julho de 2013
Merval Pereira, O Globo
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