Açodamento para realizar plebiscito impede debates que a consulta deveria suscitar e traz risco de reforma política apenas piorar sistema atual
A presidente Dilma Rousseff acerta ao afirmar que as instituições representativas devem "dar a adequada resposta à voz das ruas". Erra, porém, ao defender que esse esforço seja feito a tempo de alterar as regras eleitorais de 2014.
Embora a reforma política não tenha sido uma bandeira das manifestações, a insatisfação profunda que se viu nas últimas semanas decerto aponta também para a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, em todos os seus níveis.
É razoável, assim, procurar mudanças capazes de aproximar representantes e representados, e faz sentido que o plebiscito seja um dos caminhos escolhidos. Em tese, mecanismos de consulta popular fortalecem a democracia, não só porque oferecem um canal de participação direta, mas também porque estimulam amplo debate.
Dizer que pelo menos o segundo desses benefícios seria perdido com um plebiscito feito de afogadilho é mero truísmo. Mas não há como atender ao desejo presidencial sem incorrer nesse desatino.
A fim de valerem em 2014, as novas regras precisariam ser aprovadas até o começo de outubro. A população teria pouco tempo para se informar e debater os temas em questão, e o Congresso teria prazo ainda menor para elaborar leis com base no plebiscito.
Merecem comentário, ainda assim, os cinco pontos sugeridos pela presidente --e deve-se observar que ficaram de fora da relação itens importantes, como a adoção do voto facultativo e a distorção verificada na Câmara (deputados de Estados maiores representam um contingente muito maior de pessoas do que os de Estados menores).
Talvez o aspecto mais relevante --e complicado-- seja o sistema eleitoral: proporcional, como hoje, ou distrital? Esta Folha defende um modelo misto, no qual os eleitores apontam um candidato individual em seu distrito e, com um segundo voto, escolhem um partido, ajudando os nomes mais sufragados de uma lista aberta.
Esse sistema favorece a representatividade e a prestação de contas --o deputado distrital é eleito com votação majoritária, em concorrência direta com os adversários--, sem prejudicar os partidos.
Dilma Rousseff também sugere consulta sobre o fim das coligações em eleições para deputado e vereador. De fato, essas alianças provocam uma deformação: o voto destinado a uma legenda pode eleger o candidato de outra.
O financiamento de campanhas foi destacado pela presidente: só com recursos públicos ou doações privadas devem ser aceitas? Com certas restrições ao poder econômico, não faz sentido impedir que pessoas ou empresas colaborem com candidatos de sua escolha.
Há ainda dois pontos menos polêmicos. O fim da suplência de senador (só deve permanecer no Senado quem foi eleito) e a extinção do voto secreto no Congresso (o abuso do anonimato apenas oculta as decisões dos representantes).
Como se vê, o debate requer tempo. Fazê-lo às pressas embute o risco de piorar o sistema atual. Dada a complexidade dos temas, é duvidoso que mesmo um grupo pequeno de cientistas políticos chegue a consenso em prazo tão exíguo.
03 de julho de 2013
Editorial da Folha
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