Paradoxalmente, mesmo as manifestações corporativas contrárias à sua iniciativa de maior apelo social, o programa Mais Médicos, ajudaram a reforçar, junto às parcelas mais pobres da população, a imagem de uma chefe de governo empenhada em suprir as carências denunciadas com veemência nas passeatas que percorreram as ruas brasileiras, surpreendendo, por sua disseminação, os seus próprios participantes.
O Congresso Nacional também fez expressão corporal de arregaçar as mangas para mostrar, às pressas, que os políticos são capazes, sim, de desmentir os cartazes que os acusavam de não representar os seus portadores - outro motivo de indignação.
Os parlamentares, por exemplo, correram a rejeitar a proposta de emenda constitucional que reduzia os poderes de investigação do Ministério Público, não porque tivessem mudado de ideia em relação ao polêmico projeto que tinha fortes chances de ser aprovado, mas para não dar a impressão de que compactuavam com uma presumível jogada de acobertar malfeitos e dificultar a punição dos malfeitores. Na mesma linha, aprovaram a tipificação da corrupção como crime hediondo: um instrumento vistoso, porém de discutível eficácia contra as incursões aos cofres públicos.
Não colou, como se diz. Enquanto 31% dos entrevistados em pesquisa do Datafolha consideraram ótimo ou bom o desempenho da presidente desde as jornadas de junho, ante 29% para os quais foi ruim ou péssimo, apenas 13% aplaudiram a conduta do Legislativo, taxativamente reprovada por quase a metade (45%) da amostra. A imagem do Congresso, é bem verdade, já conheceu dias piores.
Na série histórica dos levantamentos do Datafolha, os políticos bateram no fundo do poço em 1993, por efeito do escândalo dos chamados anões do Orçamento, que levou à perda do mandato de 10 deputados (6 por cassação e os demais por renúncia). À época, 56% das pessoas avaliaram da pior forma a instituição parlamentar. Atualmente, o índice é de 42%.
Difícil dizer, a esta altura, o que é mais preocupante: a incapacidade dos políticos de perceber por que estão amplamente desacreditados ou, se percebem, a sua incapacidade de se regenerar. Dito de outro modo, ou se enganam ao acreditar que podem dar a volta por cima aprovando medidas que corresponderiam aos anseios da opinião pública ou, sabendo porque apanham, são impotentes para adotar comportamentos que ao menos reduzam as críticas - infelizmente justas e procedentes - que os atingem. Contraponham-se, para exemplificar, duas situações distintas.
No afã de aplacar os manifestantes, já nos primeiros dias de julho, os congressistas engavetaram, com a relutante anuência do seu autor, o deputado goiano João Campos, líder da bancada evangélica, o descabelado projeto que autorizaria psicólogos a ajudar pacientes a "reverter" a sua homossexualidade - a chamada cura gay. Na contramão do que estipula o Conselho Federal de Psicologia, a proposta tinha sido aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, presidida pelo notório pastor Marco Antônio Feliciano.
Um mês depois, o relator do novo Regimento Interno do Senado, Lobão Filho (cujo pai é ministro de Minas e Energia), rejeitou uma emenda que previa incluir no juramento de posse dos senadores a "defesa intransigente da ética". Lobão argumentou que essa "é uma coisa muito subjetiva, muito abstrata". E teorizou: "O que é ética para você pode não ser para mim".
No dia seguinte, deu o dito pelo não dito. Tanto faz. Quando um político se permite esvaziar em público o conceito de ética, isso pesa contra o Congresso muito mais do que, a favor, o arquivamento de um projeto de raiz homofóbica.
Os altos e baixos do prestígio de um governante não afetam a democracia. Já a aversão aos integrantes da instituição que encarna a soberania popular pode enfraquecer o regime de liberdades.
14 de agosto de 2013
Editorial do Estadão
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