Que Lula nunca entendeu a natureza do jogo democrático, sempre se soube. E que nunca acreditou na possibilidade da existência de um mundo diferente do dele, com padrões éticos diferentes dos que pratica, ele tem dado provas repetidas.
Para o ex-presidente que "estudou na escola da vida", que desdenha amargamente quem tenha frequentado as outras, e que repete à exaustão o bordão do "nunca antes na história deste país", o mundo começou com o advento dele próprio.
Nada mais natural, portanto, que ele esteja tratando de explorá-lo para ver até onde pode ir.
A tentativa de chantagem sobre Gilmar Mendes e o modo pelo qual se referiu aos demais ministros do Supremo Tribunal Federal, cujo papel na ordem das instituições democráticas ele não tem nenhuma ideia de qual seja, foi o que a vida lhe ensinou, métodos que, de 2002 em diante - e com sobradas razões - ele passou a acreditar piamente que fossem infalíveis.
Daí estar perfeitamente exato o primeiro trecho do comentário de Dora Kramer para O Estado de S. Paulo de hoje:
"Lula não está fora de si. Está, isto sim, cada vez mais senhor de si. Investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas vontades.
E por que o faz? Porque sente que pode. E pode mesmo porque deixam que faça. A exacerbação desse rude atrevimento é fruto de criação coletiva e não surgiu da noite para o dia".
Mas não ha bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe.
A trajetória de Lula é uma linha continuamente ascendente onde não se registra nenhum fracasso; no máximo, esperas maiores do que as que ele gostaria de ter pago para atingir o próximo sucesso.
Ser "ex", ser menos poderoso hoje do que já foi um dia, é para ele uma experiência tão nova quanto insuportável, e que pode vir a se revelar fatal.
Despido da força institucional que já teve, ele se atira contra figuras ainda investidas da sua e, pela primeira vez, se dá mal. E cada vez mais mal, a julgar pela nuvem escura que se vai formando no horizonte da "sua" CPI do Cachoeira agora que o Congresso se decidiu a abrir a fossa negra da Construtora Delta e transformá-la de nuvem de fumaça em investigação concreta.
Essa insistência obsessiva na desastrada operação apaga Mensalão que, num país onde uma condenação dos acusados não traria qualquer consequência prática importante, destoa do estilo estritamente pragmático de Lula, começa a tomar ares de um Waterloo.
Ao sair do octógono do vale tudo da luta pelo poder, na qual ele é o campeão inconteste, para cuidar de assuntos etéreos, fora da sua especialidade, como o do seu lugar na História, Lula se atrapalhou. Afunda-se cada vez mais no inferno, na sua ânsia de conquistar o céu ... como sempre, no tapetão.
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