Os petistas são mestres em muita coisa – e, como é sabido, de “burros” eu nunca os chamei. Se burrice tem havido de 2005 a esta data, ela não se dá exatamente no arraial dos companheiros.
O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência), principal homem de Lula no governo Dilma, recebeu o sinal verde da chefe de turno para defender o chefe de sempre. Carvalho, um ex-seminarista, afável com os jornalistas, prefere, de hábito, plantar a dúvida na cabeça do interlocutor a ser incisivo.
Nesta quarta, ele mudou um pouco tom, mas sem abandonar jamais aquela sua, digamos, “vocação pastoral”.
Veio a público para dizer que Lula está “indignado”. Certo! Indignado. Lula fala sobre tanta coisa, convenham, que poderia ele mesmo expressar a sua indignação. Quando se trata de fazer proselitismo eleitoral, por exemplo, ele não manda recado. Silenciou quando o caso Rosemary Noronha caiu no seu colo.
Que fique claro de novo: a imprensa brasileira não o censurou por causa de sua “relação íntima” com aquela senhora – o padrão firmado por aqui é o de que ninguém tem de se meter na vida privada de um homem público. Ocorre que Rosemary usava seu cargo no escritório da Presidência, onde Lula a instalou, para fazer negócios, e isso muda o rumo da prosa. Sigamos.
Carvalho, no seu estilo “semeador de dúvidas”, afirmou o seguinte sobre a dupla Marcos Valério-Lula:
“Ele [Lula] está sem nenhum medo, apenas profundamente indignado com a atitude desse senhor e impressionado com a credibilidade que, de repente, esse, que era uma espécie de fábrica de males, passa a ter, [visto] agora como legítimo e digno acusador. Nós sabemos que não é, infelizmente não é”.
Errado, ministro!
Carvalho recorreu ainda, já falo daqui a pouco, a um termo haurido da biologia para tratar do assunto. Vamos adiante. O que está errado na fala deste semeador de dúvidas? Marcos Valério só passou a ser essa figura desprezível aos olhos do petismo quando decidiu falar. Antes, tinha tal credibilidade que foi escalado para gerenciar o sistema de distribuição de recursos do que se chamou “mensalão”. Se era o único a fazê-lo, não sei. Mas é inequívoco que se tornou uma figura graúda no esquema.
Valério tinha tal desenvoltura no poder, e isso está evidenciado nos autos do processo do mensalão, que participou de reuniões na Casa Civil entre José Dirceu e a banqueira Kátia Rabello. Em depoimento em juízo, ela deixou claro que a presença do publicitário era bem-vinda em razão do trânsito que ele tinha no governo.
Também foi escalado para fazer a negociação com a Portugal Telecom. Ainda que os petistas estivessem falando a verdade quando afirmam que nada de errado houve nessa relação, tratava-se de uma “missão”, não é?
Mesmo acusado, denunciado, tornado réu e condenado, Valério continuou a ser preservado pelos petistas. O partido nega que esteja pagando a conta de seu advogado – o advogado, curiosamente, não nega nada. Huuummm… Mas Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, um dos braços operativos do chefe, admite que foi a pessoa escalada para estabelecer uma interlocução com Valério. Interlocução com um desclassificado?
Se Valério é essa coisa desprezível aos olhos de Carvalho, por que ele não cola nos petistas que com ele negociaram a mesma pecha? Ou Valério era bom demais para atuar nas sombras e se tornou essa figura deletéria quando decidiu falar o que sabe?
Contaminação
Carvalho recorreu ao universo virótico ou bacteriano para se referir às relações dos petistas com Valério:
“Nós não estamos preocupados porque o presidente Lula não tem nenhuma participação e sequer conhecimento da maioria desses fatos que são agora arrolados. Quem os praticou, quem tem algum tipo de relação com o senhor Marcos Valério, e se contaminou e teve problema por isso, já foi devidamente julgado no processo que está se encerrando lá no Supremo”.
Epa! Quer dizer que o petismo era um corpo saudável, de uma comovedora pureza, mas, num determinado momento, deu a mão para a Valério ou, sei lá, foi vítima de um espirro dado pelo publicitário e contraiu a “mensalite”?
Ora, ministro… Ele só foi apresentado à cúpula do PT porque a cúpula do PT precisava de um Valério para chamar de seu. O nome do operador poderia ser, como no poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond, J. Pinto Fernandes. Não faria a menor diferença.
Não foi Valério, publicitário que é, a convencer o PT a adquirir uma mercadoria: o esquema do mensalão. Não! O partido buscava alguém que pudesse atuar nas sombras. E apareceu Marcos Valério: havia uma espécie de licitação informal no baixo mundo da política. Ele certamente pareceu ao partido o mais hábil.
Foi Valério quem contaminou o PT? É uma afirmação contrária aos fatos. José Dirceu é que foi considerado o chefe da quadrilha pela Procuradoria-Geral da República, acusação aceita por oito de dez ministros do Supremo, com base no autos, que o condenaram.
Carvalho, finalmente, falta com a verdade quando diz que “Lula é o político brasileiro que mais teve a vida invadida, examinada e atacada”. Teria de provar. Isso é simplesmente falso. Políticos de oposição, sim, tiveram vidas devassadas e sigilos quebrados ao arrepio da Justiça pela companheirada. Como não havia o que denunciar, então partiram para a invenção.
À diferença do que diz Carvalho, Lula nunca teve a vida investigada. Vejam o caso da Gamecorp, de Lulinha.
Quando se descobriu que uma operadora de telefonia, a então Telemar, havia injetado R$ 5 milhões na empresa do filho do então presidente, houve um óbvio estranhamento.
Tratava-se de uma concessionária de serviço público, de que o BNDES era (e é) sócio. Se o primeiro-filho tivesse se dedicado a qualquer outro ramo que não passasse, então, pela arbitragem do país, ninguém teria dito ou escrito uma vírgula.
Todo mundo sabe que Lula alterou a lei das teles só para permitir que a Oi (ex-Telemar) comprasse a Brasil Telecom.
Encerro
Não há complô nenhum contra Lula. Ninguém está a dar excessiva credibilidade a Marcos Valério. Ao contrário até: o noticiário é bastante claro ao informar que ele pode estar querendo integrar um programa de proteção a testemunhas para ter a sua situação aliviada.
Dá-se a seu depoimento o espaço que seria devido em qualquer democracia. Ou agia de modo diferente a imprensa italiana durante a chamada “Operação Mãos Limpas”?
Os mafiosos arrependidos – não é exatamente o caso de Valério – mobilizavam o jornalismo. Não porque fossem professores de Educação Moral e Cívica, não porque fossem homens decentes, não porque se pensasse em chamá-los para jantar, mas porque tinham o que dizer sobre as entranhas do poder, a política e os políticos.
12 de dezembro de 2012
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