É coisa para os doutos de vasto saber jurídico e de ampla experiência política discutir sobre quem tem razão no confronto entre o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados. Aqui na planície, apesar de morarmos no Planalto Central, resta verificar, de início, que falta razão à Constituição, quer dizer, os culpados pela crise atual são os constituintes de 1988.
Afinal, como inseriram no texto dois artigos conflitantes? Ou os condenados por sentença transitada em julgado, a pena de reclusão superior a quatro anos, e que são deputados, perdem automaticamente seus mandatos, ou os mandatos só podem ser cassados depois de votação secreta e por maioria absoluta da Câmara e do Senado.
Fica demonstrada a impossibilidade de convivência entre os dois dispositivos. Ou o Supremo pode cassar ou essa é prerrogativa exclusiva do Congresso. A vigência da contradição só poderia dar no que deu: impasse caracterizado por conta do mensalão, 24 anos depois de promulgada a Constituição.
Ficaram de braços cruzados todo esse tempo o Judiciário, ao qual cabe interpretar a Constituição, e o Legislativo, que poderia ter usado o poder constituinte derivado para dirimir a duvida. Agora, sofrem ambos.
A falta de bom-senso por parte de Marco Maia, presidente da Câmara, põe mais gasolina no fogo. Não poderia ter convocado a imprensa para dizer que vai desobedecer a decisão do Supremo, aliás, a ser confirmada hoje com o voto do ministro Celso de Mello. Afinal, no plano das possibilidades, quem garante que o plenário da Câmara degolará os três deputados mensaleiros?
A votação é secreta e eles poderão estar agindo para demonstrar inocência, por mais incrível que pareça. Não sendo cassados, mas já condenados pela mais alta corte nacional de Justiça, exercerão seus mandatos na cadeia? Os condenados a prisão aberta sairão do plenário às 18 horas para recolher-se ao cárcere?
A desmoralização de nossas instituições está a um passo de ser formalizada, quando tudo poderia ter-se resolvido pelo diálogo entre os presidentes Marco Maia e Joaquim Barbosa. Como um é boquirroto e outro, ranzinza, aí está a consequência.
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A LEI E OS LENÇÓIS
Ninguém está acima da lei, mesmo estando debaixo dos lençóis. Dona Rosemary Noronha está indiciada pela Polícia Federal pela prática de formação de quadrilha, tráfico de influência, nepotismo, participação na venda de pareceres administrativos e outros crimes. Ainda que sob a proteção do PT, poderá parar na cadeia, até preventivamente. Suas relações íntimas com o ex-presidente Lula não a eximem de responder perante a lei. Mesmo escondida sob lençóis…
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BARRO NO VENTILADOR
Ontem foi dia de barro no ventilador, esgotando-se em poucas horas a edição de O Estado de S. Paulo, com revelações de estarrecer. É reproduzido o depoimento de Marcos Valério à Procuradoria Geral da República, em setembro, envolvendo o ex-presidente Lula, José Dirceu, Delúbio Soares, Antônio Palocci e outros.
Ninguém é obrigado a acreditar nas denúncias do operador do mensalão, que procura livrar-se da pesada sentença de 40 anos de reclusão. Seu relato, porém, tem começo, meio e fim, ainda que se tenha referido apenas a uns poucos episódios do escândalo. Terá o esquema criminoso de recolhimento de recursos ilegais contribuído para pagar despesas pessoais do Lula, ainda que com a modesta quantia de cem mil reais, quando os mensaleiros amealharam centenas de milhões?
O que dizer da chantagem que um empresário de Santo André teria desenvolvido contra o ex-presidente, contra José Dirceu e outros auxiliares, em torno do assassinato do prefeito Celso Daniel? Dá para acreditar que Valério, no gabinete presidencial do palácio do Planalto, tenha ouvido do Lula estímulos aos empréstimos do Banco Rural ao PT? Ou que o ex-presidente tenha atuado para pedir à Portugal-Telecom a liberação de milhões para o partido dos companheiros, através de seus fornecedores? Por último, terá mesmo Valério sido ameaçado de morte pelo mais chegado assessor do Lula, Paulo Okamoto, caso não se comportasse e mantivesse o bico calado?
São gravíssimas as acusações, ainda que o acusador deva comprová-las. Mesmo assim, falta uma palavra dos acusados. Não adiantará mais botar a culpa na imprensa ou na oposição. O país inteiro aguarda a palavra que salva ou o gesto que mata.
12 de dezembro de 2012
Carlos Chagas
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