"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

DE OBAMA@ORG PARA DILMA@GOV

Companheira Dilma.

Permita-me esse tratamento, apesar de estar atravessado na minha memória aquele dia de caça aos ovos de Páscoa nos jardins da Casa Branca em que a senhora veio aqui me dar aula de economia.
Resta-lhe o crédito das minhas filhas terem adorado seu palácio, que o Ronald Reagan achou parecido com sede de empresa de seguros do Texas.
 
Decidí escrever-lhe porque há tempo suspeito que a senhora cometeu o mesmo erro que eu. Dispondo de três nomes para o Ministério da Fazenda, nomeei os três. Pus o Timothy Geithner no Tesouro, o Paul Volcker num conselho e o Larry Summers numa assessoria. (Imagine o que esse gênio de Harvard mandou pedir: um carro, presença em eventos e convites para jogar golfe comigo.)
Deu tudo errado. Summers e Volcker foram-se embora e, se Deus me ajudar, troco o Geithner no ano que vem.
 
Esses jornalistas que sabem tudo dizem que eu quase capotei na curva por causa desse erro. Não foi assim.
 
O Geithner garantiu-me um norte: a busca obsessiva pela confiança do empresariado. Sem isso, o país teria ido à breca. Sinceramente, sua turma está espancando essa gente. Aí, como cá, o sujeito tem uma sala no palácio e pensa que manda.
 
Eu não sei o que a senhora quer fazer com as concessionárias de energia e de portos, mas sei que conseguiram produzir uma enorme confusão.
 
Lá pelo final de 2009, durante a discussão da política nacional de saúde, caiu-me a ficha. Meu problema não estava na economia, mas naquilo que vocês chamam de Casa Civil. A máquina da presidência simplesmente não funcionava. Livrei-me de dois.
 
Sei que a senhora não tem sorte nesse tipo de escolha. Agora sua chefe da Casa Civil é candidata ao governo de um Estado. Essa é a receita da encrenca.
 
Os êxitos caem por gravidade no colo do presidente, mas os fracassos dão-lhe a impressão que vão para a conta dos outros. É engano, companheira. Os fracassos grudam na gente com mais força que os sucessos. Enquanto estamos no palácio, todos nos dizem que isso não acontece. Quando vamos para rua pedir votos, vemos o tamanho do erro.
 
Redesenhe seu palácio, fuja dessas salas de eventos, vá para a rua, siga seus instintos, enquadre os ministros candidatos a governos.
 
Sua tarefa é muito mais fácil que a minha. Se aqui houvesse uma oposição como a que há aí, eu passaria metade do meu tempo jogando basquete ou paparicando a Michelle.
 
Antes que eu me esqueça, não perca tempo com o “The Economist”. Desde 1848, quando foi fundado, ele ensina ao mundo que não há salvação fora da ortodoxia liberal. Que ninguém me ouça: a Inglaterra provou esse remédio e cada dia se parece mais com a Holanda.
 
Finalmente, um palpite, sem qualquer vestígio de torcida: admita que seu rival em 2014 será o juiz Barbosa.
 
Quando eu lancei minha candidatura o Vernon Jordan, respeitado líder negro, apoiava minha rival. A certa altura trocou de posição e explicou-se: “É duro disputar contra um movimento”.
Lula, “o cara”, representou um movimento.
 
Michelle, Malya e Sasha mandam-lhe um abraço. Marian, minha sogra, de quem talvez a senhora se lembre, acompanha-as, mas fala todo dia nesse juiz Barbosa.
Do companheiro Barack.

12 de dezembro de 2012
Elio Gaspari, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário