“Depois de mim, o dilúvio!” – deve ter predito Sarney, antevendo catástrofes, quando soube quem era o escolhido do governo para substituí-lo.
Na sexta-feira, dia 1º de fevereiro, foi a vez de a Nação tomar conhecimento. O dilúvio se chamava Renan Calheiros, buscado de nebulosas trevas para sentar-se na poltrona mais alta do Senado.
A votação foi tão sigilosa na urna quanto escandalosa e buliçosa nos aplausos.
A pergunta – como pode acontecer uma coisa dessas? – me veio de toda parte.
Como reelegem alguém que, quando ocupou o cargo, teve que renunciar para não ser cassado? Nas ruas e nos e-mails essa foi a indagação da semana. Ora, senhores, a resposta é simples.
Os estrategistas do Palácio do Planalto devem ter escrutinado cuidadosamente a lista dos membros da nossa Câmara Alta. E concluíram que não havia entre eles ninguém pior do que Renan. Quanto pior, melhor.
A Lei da Atração aglutina os semelhantes de modo implacável.
Qualquer outra razão é conversa fiada. Pelo voto amplamente majoritário de 56 membros, o Senado decidiu conservar-se um poder nanico, levado na guia pelo governo, como um serelepe cãozinho de estimação, coleira de prata e chuquinha na cabeça. A única diferença é que o totó, às vezes, late.
COM A BORDA PARA CIMA
Na segunda-feira, os olhos do país se voltaram para o outro lado do edifício – aquele da concha com a borda para cima. Ali seria eleito o segundo homem da República na sucessão presidencial. Assisti pelo canal de tevê da Câmara dos Deputados a todos os discursos da sessão. Foi uma experiência e tanto, ao vivo, para os arregalados olhos da Pátria. Contado não se crê.
Havia quatro candidatos. O do governo, o da oposição, e outros dois muito antes pelo contrário. No entanto, os quatro discursaram como se oposição fossem. Disseram que a Casa se omite em temas gravíssimos como pacto federativo.
Que permite o uso inescrupuloso das medidas provisórias e o esbulho federal sobre Estados e municípios.
Que a reforma institucional não anda. Que as emendas parlamentares, assim como são tratadas, aviltam o Congresso.
Que ao se omitir na votação de vetos presidenciais (mais de três mil pendentes de deliberação), o legislativo transfere ao governo a última palavra na elaboração das leis. Que isso equivale a renúncia de prerrogativa.
Que a instituição é o coração da democracia e a representação mais legítima do povo em sua pluralidade e totalidade. Que apesar disso – e isso não é pouca coisa! – o poder se põe em cócoras. Que, à medida em que permitiu que o apequenassem, foi perdendo o apreço e, depois, o respeito da sociedade. Os aplausos, pasmem, rugiam em puro êxtase!
Ouvindo tudo, o presidente Marco Maia fazia ares de quem nada tinha a ver com aquelas pautas unanimemente coletivas. Mas cada discurso, se bem ouvido, era um libelo contra si. Clamava-se por tudo que ele não fez. Os quatro candidatos se comprometiam, solenes, com passar uma borracha nas linhas omissas e submissas de sua gestão.
O próprio candidato de dona Dilma, vitorioso, dissecou, uma a uma, as culpas do legislativo perante seus próprios males.
Em português claro: posicionou-se contra, eloquentemente contra, tudo que ele mesmo e o grupo ao qual pertence e que o apoiava vêm fazendo no parlamento, com o parlamento e do parlamento.
Para mim, depois do dilúvio, tamanho cinismo foi a gota d’água.
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