Assim, o povo nas ruas para de reclamar da falta de austeridade do governo e a companheirada fica feliz e à vontade para gozar em paz os benefícios do poder.
Dilma Rousseff teve a sensatez de recusar essa maracutaia em reunião na última sexta-feira com 22 deputados do PT:
"Se forem essas as concessões, não vou fazer!". Muito bem! Mas, cabe perguntar: há sinceridade nisso?
Logo nos seus primeiros meses de governo, diante de uma avalanche de denúncias de irregularidades em pelo menos seis Ministérios que, não por coincidência, eram comandados por ministros herdados de Lula, Dilma promoveu a tal "faxina" que lhe valeu índices de popularidade que nem seu antecessor conseguira alcançar.
Mas a alegria durou pouco. Em nome da "governabilidade" - quer dizer, da necessidade de deixar os aliados satisfeitos a qualquer custo -, em pouco tempo a maior parte dos "faxinados" recuperou o poder de que haviam sido alijados em nome da moralidade pública.
De toda essa história podem ser extraídas duas conclusões.
Primeira: é extraordinária a desfaçatez das lideranças do PT e do PMDB que levaram aquela sugestão à presidente.
Segunda: se já cedeu uma vez ao fisiologismo, quando o governo ainda navegava em águas mansas e sua popularidade estava em alta, o que garante que Dilma não cederá de novo agora, quando a nau que pilota enfrenta mar crispado? Não é porque Lula, como canário na muda, anda de bico calado em público que a pupila vai ser poupada de sua "sabedoria".
A verdade é que Dilma Rousseff está diante de um dilema hamletiano: ser ou não ser (ainda) uma fiel discípula de seu mentor. Para impor um estilo de governo diferente - e divergente - daquele que seu patrono consagrou, Dilma precisaria ter, no mínimo, alguma habilidade política, algum poder de persuasão. Carisma, enfim. Não tem.
Seu perfil é voluntarioso, autoritário. Lula, conciliador e tolerante, sempre teve sua liderança respeitada pelos companheiros e colaboradores. Dilma é, acima de tudo, temida. Não é à toa que o coro do "volta Lula" aumenta a cada dia, apesar do esforço de lideranças do governo e do PT para disfarçar o constrangimento.
A essa altura dos acontecimentos, por mais competente que seja o marqueteiro oficial, e por mais descaradamente atrevidos que se mostrem os mandachuvas do PT e do PMDB, não há fórmula mágica que recupere em quatro meses os altos índices de apoio popular ao governo, pela simples razão de que o povo descobriu aquilo que o carisma populista de Lula sempre soube dissimular: o governo não funciona. E continua assim sob Dilma porque o modelo de governo permanece e - ora vejam - todo mundo já percebeu que o lulismo sem Lula não funciona.
Para comandar um governo que possa chamar de seu, Dilma teria de ter a coragem de romper com a herança maldita que recebeu. Ou então entregar os pontos de vez, rendendo-se à grande obra petista - o neofisiologismo e a gestão incompetente - e à hipocrisia dos "aliados", que conhecem muito melhor do que ela as artes de manipular o poder.
A hipótese de Dilma romper com a herança lulopetista inexiste, até porque se o fizesse a presidente poderia manter o comando formal do governo, mas o perderia de vez e de fato. E a perda do comando político de fato não deixaria Dilma numa situação muito diferente daquela que enfrenta hoje, em que até a fidelidade das lideranças do PT decorre mais do dever de ofício do que de convicção genuína, pois os petistas já começam a ver ameaçado seu projeto de perpetuação no poder.
Não obstante Lula tenha decidido, com sua habitual malícia, permanecer ausente desse cenário conturbado, seu espectro paira, inamovível, sobre a realidade política brasileira. Dilma que o diga.
10 de julho de 2013
Editorial de O Estado de São Paulo
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